Detalhezinho

Detalhezinho

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.

Os dois amigos se encontram na birosca do bairro onde moram. Sentam, pedem uma gelada. O papo começa.

Tapado:

- Soube que você dispensou a Sandra Gegê. Ficou maluco?

Imbecil:

- Não.

Tapado:

- Posso ao menos saber qual o motivo?

Imbecil:

- Esquece. Fica chato comentar sobre a “mina” aqui aonde a gente mora. Depois pode dar buchicho. Sem contar que a “pessoa” é nossa vizinha.

Tapado:

- Qual o quê! A nossa conversa não sairá daqui.

Imbecil:

- As paredes têm ouvidos. E olhos também.

Tapado:

- Fala sério!

Imbecil:

- Soube que algumas paredes são tão espertas que, além dos ouvidos e dos olhos, dispõem de boca e nariz, como se fossem a extensão dos seres humanos, ou seja, certas paredes, principalmente as de lajotas, cheiram a coisa e depois saem fofocando.

Tapado cai na gargalhada. Por um triz não derruba os copos.

Imbecil:

- Está rindo de quê?

Tapado:

- Da sua comparação em relação às paredes. Você deveria ser comediante. No tocante a Sandra, Gegê, acho que você pirou de vez. Por tudo quanto é mais sagrado. Deixar um avião daqueles... Puts!... Eu não dou uma sorte dessas. Ah, se fosse comigo...

Imbecil:

- O que você faria?

Tapado:

- Como, o que eu faria? Pô, meu! Está me tirando?

Imbecil:

- Em absoluto. Sua oportunidade acaba de bater na sua porta.A beldade, agora, está livre e solta.

Tapado:

- Então me “bate a pala”.

Imbecil:

- Bate o quê?

Tapado:

- A pala!

Imbecil:

- Que história é essa de pala?

Tapado:

- O mesmo que fita, seu burro. Bate pra mim, me de a página da cartilha, mostre o conteúdo.

Imbecil:

- Ummmm!...

Tapado:

- Vejo que você não tem nada na cabeça. Só vento. Não saber qual o significado de pala é o fim da picada.

Imbecil:

- Saber ou não saber, não importa. Vamos esquecer a Sandra. Melhor. Que tal falarmos de futebol?

Tapado:

- Você está careca de saber que odeio futebol. Pois bem. Já que quer bancar o moço exemplar e dar uma de difícil, deixa eu adivinhar. Você ficou um mês com ela. Curtiu, passeou, beijou, foi, voltou... E comeu. Não comeu?

Imbecil:

- Me pareço com um canibal?

Tapado:

- Palhaço. Faço referência a ter chegado junto. Partido para o “vamos ver”.

Imbecil:

- Não, não cheguei a esse ponto. Não vi nada.

Tapado:

- Nadinha, nadinha?

Imbecil:

- Nadinha, nadinha.

Tapado:

- Vai querer me dar diploma de otário? Acaso está escrito aqui na minha testa que sou trouxa? Um mulherão daqueles, com um pandeiro todo nos conformes e você não deu nenhum tapinha?

Imbecil:

- Pandeiro? Que pandeiro?

Tapado:

- Traseiro, cauda, cofrinho...

Imbecil:

- Em outras palavras: bunda?

Tapado:

- Claro, seu filho de uma égua.

Imbecil:

- Sinceramente? Não me apeteceu manter algo mais sério com ela. Apesar da bunda, ou como você colocou: pandeiro. O melhor, sem dúvida, foi a decisão que tomei: mandei a linda catar coquinho.

Tapado se põe a remedar, na gozação, o amigo:

- “Não me apeteceu. O melhor, sem dúvida, foi a decisão que tomei: mandei a linda catar coquinho”. Conta pro seu amigo aqui. O que houve, entre vocês, afinal?

Imbecil:

- Não houve absolutamente nada. Sabe o que eu gostaria de fazer agora? Mudar o rumo dessa prosa. Não quero mais falar no assunto. Caso encerrado.

Tapado:

- Ao menos pela nossa amizade, me dá o caminho das pedras...

Imbecil:

- Desista. Não existe nenhum caminho das pedras. Aliás, você não disse que adivinharia? Vá em frente!

Tapado:

- Ela não faz o melhor?

Imbecil:

- Melhor?

Tapado:

- É. Barba, cabelo, bigode?

Imbecil:

- Isto eu não posso precisar. Nem sabia que ela lidava com barbearia.

Tapado desfere um potente soco na mesa. Derruba os copos e a garrafa que se estilhaçam de encontro ao chão de cimento. O dono da venda vem lá de dentro com ares enfezados.

Imbecil:

- Não se preocupe seu Chiado. Eu arco com o "preju". Aproveita e providencia outra “ceva” pra nós, no capricho.

Seu Chiado:

- Pois então paguem primeiro a que consumiram e os copos. Assim evitaremos problemas.

Os dois rapazes metem as mãos nos bolsos ao mesmo tempo.

Imbecil:

- Essa é minha. Você patrocina a próxima.

Tapado:

- Fechado.

Nova garrafa e copos são colocados a disposição dos dois jóvens.

Tapado:

- Vamos em frente. Ela por acaso é “fria”?

Imbecil:

- Não.

Tapado:

- Se atropela com o microfone?

Imbecil:

- Passou longe...

Tapado:

- Então concluo que você deu o microfone para ela cantar?

Imbecil:

- Você é quem está dizendo. Eu não confirmo nada.

Tapado:

- Ah, já sei: ela não lava direito a perseguida. Não passa um perfumezinho. Com isso, a racha fede a bacalhau?

Imbecil:

- Esquece.

Tapado:

- É larga? Tem estrias? Morde o pau? Se engasga com os colhões?

Imbecil:

- Tapado, pelo amor de Deus, vamos falar de outra coisa?

Tapado:

- Então abre a parada.

Imbecil:

- Se eu falar você me deixa em paz?

Tapado:

- Deixo. Juro.

Imbecil:

- Jura de verdade?

Tapado:

- Eu juro!

Imbecil:

- Não vale. Fique de joelhos.

Tapado:

- Aqui?

Imbecil:

- Onde mais, seu Mané?

Tapado:

- O que a galera pensará?

Imbecil:

- Só estamos aqui eu, você e o seu Chiado. Olhe em volta...

Tapado:

- Estou olhando.

Imbecil:

- Então. É pegar ou largar.

Tapado:

- Ta legal.

Tapado meio sem jeito e completamente envergonhado se ajoelha diante do amigo.

Tapado:

- Prometo.

Imbecil:

- De novo.

Tapado:

- Eu prometo.

Tapado se levanta correndo e volta a se sentar.

Tapado:

- Agora de o serviço. Por que dispensou aquela gostosa, saborosa e igualmente deliciosa visão do paraíso?

Imbecil:

- Por um detalhezinho muito simples.

Tapado:

- Um detalhezinho? Que detalhezinho? Fala logo. Canta a pedra.

Imbecil:

- Ela tem pêlos na churréia.

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 57 anos é jornalista.

Johannesburgo 03 de julho de 2010.

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aparecidoraimundodesouza@gmail.com

Secretária:

Carina Bratt

MSN

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Aparecidoescritor
Enviado por Aparecidoescritor em 03/07/2010
Reeditado em 08/07/2010
Código do texto: T2356417