A "Meleca" do Alemão
Toda pessoa que nasceu e vive em um país dito subdesenvolvido imagina que as pessoas que nasceram e vivem em um país dito do primeiro mundo, isto é, um país chamado de muito civilizado, são, principalmente, culturalmente bem superiores em estilo de vida àquelas que ainda se desenvolvem, com menos cultura, menos informação, tecnologia insuficiente, pobres financeiramente, etc.,etc.,etc.
Em um mundo globalizado como dos dias atuais, a facilidade do contado com as pessoas de todos os países da terra é instantânea e a televisão tem mostrado situações e cenas que, às vezes, surpreendem a todos nós, tanto do primeiro mundo, como do terceiro mundo.
Costumes, opiniões, maneiras de viver aparecem o dia inteiro nas telas da poderosa televisão e, mais modernamente, através da internet.
A sensação é de que o mundo tornou-se muito pequeno e a população imensa , seis bilhões de pessoas, para uma terra diminuta e limitada em seus recursos naturais.
Pois bem: eu, como um humilde representante de um ser humano vivendo em um país subdesenvolvido, ou em desenvolvimento, para os mais otimistas, vinha até então procurando assimilar a cultura dos países já desenvolvidos e avidamente estudando seus costumes, hábitos alimentares, maneira de falar, suas filosofias, seus avanços tecnológicos, para, com isso, fazer meu aprimoramento intelectual rumo ao melhor que poderá alcançar o homem.
Tinha acabado de ler, não me perguntem onde, pois a avalanche de informações na internet é imensa, que a filosofia só é grande e só pode ser apreendida se for escrita na língua alemã.
Acreditando piamente nessa assertiva, ao ligar minha televisão na rede globo, vejo estarrecido a seguinte cena global: o técnico da seleção alemã, em pleno estádio de futebol, um representante do chamado primeiro mundo, com o dedo no nariz pinçando uma enorme “meleca”, conhecida por mim, subdesenvolvido, também como “catoca”. Ao conseguir agarrar com a mão direita a meleca, o nosso civilizado alemão, a transporta para a mão esquerda, faz uma espécie de bolinho, enrolando o material “melequento” com o dedo polegar e o indicador e, para meu espanto e grande susto, põe o bolinho de meleca, como se fosse uma bala de chocolate, na boca e mastiga civilizadamente o seu conteúdo. Não satisfeito, ainda cheira os dedos sujos, com cara de indizível prazer. No momento em que somos aprisionados pelo “politicamente correto”, penso que o Governo alemão ainda se pronunciará sobre tão inesperado episódio.Uma explicação mais simples seria de que esse gesto é um sinal evidente do que foi a Copa do Mundo de 2010: uma grande “meleca".
Mas, sinceramente, tive o mesmo desgosto que o grande guerreiro azteca Montezuma teve com o “civilizado” Cortéz. O azteca, certo dia, aprendeu a escrever a palavra Diós. Ficou feliz com esse seu avanço intelectual e imediatamente escreveu a palavra Diós em seu dedo polegar. Mostrando o dedo para Cortéz, com um sorriso nos lábios de contentamento, esperava ver o conquistador espanhol exclamar com reverência: - “Diós!!!”. Viu apenas a cara muda de assombro de Cortéz, que era analfabeto!
Penso, reflito, medito e só encontro uma explicação: - O mundo permanece o mesmo e continuamos a nos iludir e ser enganados pelos pretensiosos, sem qualquer ofensa às pessoas comuns de todas as etnias e credos. Estou apenas capturando o detalhe, o incompreensível, o incoerente do velho ser humano. Mais uma vez desiludido, abandono de vez a filosofia , já que só se pode filosofar em alemão. Mas ao lembrar-me disso, o pormenor da meleca não me sai da cabeça. Faço, então, minha escolha existencial: Fico com Diós, no dedo limpo de Montezuma!