VELHA MATRIZ

 
Não se trata de uma foto retocada ou de um quadro a óleo pintado com esmero. É exatamente assim como está na foto original que é esse pequeno prédio no centro de Catalão. Ali, a poucos metros do burburinho em que hoje se vive nas ruas próximas do local, na próspera cidade do interior de Goiás, há uma pequena praça retangular com árvores sombreando o estacionamento ao seu redor, calçadas limpíssimas bem contornadas por canteiros de flores multicoloridas, bancos de cimento e pássaros a ciscar e cantar. No centro, a Igreja bem pintada, imponente e singela, que representa o jeito de ser dos seus frequentadores.
 Lá dentro, a sensação de ter voltado quarenta anos no tempo. Sentada em um dos bancos do lado direito, compartilho o espaço apenas com duas senhoras que conversavam animadamente à esquerda. Ao invés de rezar como de costume, sinto uma ansiedade estranha que percorre meu corpo. Com os olhos em cada detalhe do recinto tento compará-lo com os arquivos da minha memória agora reativada. Descubro que quase tudo permanece: os quadros da via sacra desbotados devem ser tão antigos quanto a própria cidade, os bancos de madeira maciça também, as imagens dos santos e os altares laterais são os mesmos;  o altar central, todo em madeira tratada e recuado, e a porta de acesso à sacristia, com o mobiliário e os objetos posicionados ao estilo das missas tradicionais em latim, me deixam com a impressão de que ali está faltando apenas o padre e o coroinha balançando o porta incenso. Toalhas brancas bordadas à mão e engomadas cobrem mesas e altares; apenas os vitrais ricamente trabalhados é que dão colorido ao ambiente sóbrio e rigorosamente limpo. Lá atrás as escadas de acesso ao mezanino onde- me lembro - o coral se apresentava protegido pelo parapeito de madeira trançada; mais atrás a segunda escada de acesso ao sino. O templo, com pé direito alto, colunas com arcos em forma de V brancas pintadas e trabalhadas nas laterais na cor bege, e o piso, como se fosse tabuleiro de xadrez na cores branco e marron, vai arrematar nos três degraus circulares que contornam o altar, e que definiam bem os limites entre doutrinados e doutrinadores.   
Percebo que uma das senhoras se retirou. Aproximo-me da outra:
- Boa tarde! Estou fazendo uma visita.
- Boa tarde – respondeu ela. Você não é daqui.
- Sou sim. É que moro fora. Passei muitos anos sem vir a esta igreja. Vejo que permanece igual.
- É verdade. Ela é bem antiga. Trabalho aqui há vinte e cinco anos. Sou eu quem cuida. De vez em quando, é feita uma pintura ou um conserto.
- Parabéns! Está muito bem conservada. Tomara que a preservem para sempre assim. Aqui eu fui batizada e aqui também me casei. Depois fui embora.
Ela ficou surpresa com a revelação. Conversamos mais um pouco, fiz algumas orações e fotos e me retirei pensando em como sou privilegiada.
Quantas pessoas morreram antes de envelhecer?Das que se transferem para outras cidades, poucas tem o privilégio de visitar amiúde sua terra natal; dessas, apenas algumas foram batizadas e se casaram na mesma igreja; e somente uma minoria experimenta a sensação de voltar no tempo e encontrar tudo como deixou há muitos anos.
Não é maravilhoso? 
Sandra Fayad Bsb
Enviado por Sandra Fayad Bsb em 03/07/2010
Código do texto: T2355477
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