Escravidão Diferenciada
Pessoas são escravas do relógio, pelo menos era assim que meu pai pensava. Como Diretor Escolar ele se sentia responsável pelos relógios de casa e do trabalho para que um sinal fosse tocado em hora “pontualíssimamente” certa. Em casa, a imagem mais marcante dele era acertando os relógios.
Eu já acho que o funcionário público é escravo do Diário Oficial. Quem está pensando em carreira tem sempre em mente um concurso ou uma remoção.
Dona Glorinha, secretária da escola em que eu trabalhava, andava ansiosa pela remoção. Perdera, por negligência, uma anterior e não dava sossego quanto às leituras do Diário para que não perdêssemos uma outra. Líamos e anotávamos, em vermelho, na primeira página o que havia de interesse dentro daquele jornal, e assim diariamente.
Certo dia nossa querida D. Glorinha achou um Diário anotado com letras bem grandes aquilo que ela queria. Foi um alvoroço! Movimentação geral. Quem leu? Ninguém sabia, e nem importava. Ela circulava pelo edifício com seu precioso jornal em baixo do braço.
Ficamos contentes por ela, mesmo sabendo que iríamos perdê-la, pois era a realização de um sonho trabalhar mais perto de casa.
Final de expediente, passada a euforia, já relaxadas, entra nossa chefe no escritório rindo a mais não poder, quase sem fôlego, com seu jornal semi-aberto e nos mostra a data: era o da remoção perdida, com data de um ano atrás. Ninguém sabe como foi encontrado e colocado sobre a mesa, como se fosse algo importante.
Coisas da vida! Voltamos a procurar a próxima remoção, agora verdadeira.