E POR FALAR EM AMIZADE...
Ficamos amigas no colégio. E amigas de verdade! Sempre, sempre juntas. Sair, passear, dormir uma na casa da outra. Noite inteira conversando, rindo. O pai dela bravo “Vamos dormir, meninas, que o dia tá amanhecendo!”. A gente abafando o riso, cochichando. Adolescentes. Namoricos e segredos partilhados. Quanta bobagem! Gostávamos do mesmo menino, o Vico. Pode isso? Não dava namoro, a gente sabia. Era só pra ter do que falar. Fazer hora, “conversar fiado”. A mãe dela perdia a paciência “Esse assunto docês, não acaba mais, não? Cê ainda tem o terreiro pra varrer, Maria Cristina!”. Eu ajudando pra acabar rápido e sobrar mais tempo pra conversar. Quase dez anos de amizade! Ombro amigo, lágrimas juntas. Tudo tão bonito. Eu tinha uma “melhor amiga”.
Tinha? Tinha, porque Maria Cristina me traiu. Sem mais nem menos, aprontou uma bela intriga me envolvendo. A coisa pegou fogo! Não sei o que doeu mais. Admitir a traição. Ou não ter mais uma “melhor amiga”. Tremenda discussão! Aos catorze anos tudo é dramático, trágico, catastrófico! Chorei muito. Ela, arrependida. Mas a amizade acabou ali. Traição de melhor amiga! Tem coisa mais doída? Muitas vezes ela quis conversar. Mas não arredei pé. Mágoas! E a vida seguiu. Mudamos de turma. Ótimo! Não teríamos que nos encarar a toda hora. Nos corredores, baixávamos os olhos. Uma entrava no banheiro, a outra saía. Perguntavam “Ué, brigou com a Tina?”. Briguei! E brigaria mil vezes, tamanha a traição que me fez. Falsa! Hipócrita! Cretina!
Moças feitas, nos formamos professoras. Na formatura nem um olhar trocado. As famílias inconformadas com a ruptura. Uma amizade tão bonita! Mas fazer o quê? Ninguém dava palpite. Enfim, tava feito! Nada mais poderia nos aproximar. Minha mágoa? Do tamanho de um bonde. Custava a crer que Tina tivesse sido capaz. Anjo de doçura mascarado... Covardia, má fé... Mesquinha armação às minhas costas...
Vinte anos depois, Maria Cristina e eu, frente a frente. Foi transferida pra escola onde eu trabalhava. Primeiro dia de aula, uma reunião. Todo mundo em círculo. Ela entrou por último. Olhou a sua volta buscando um lugar. Não havia mais. Aliás, havia um último: ao meu lado. Não teve opção. Sentou-se. Entre nós, o silêncio e o mal estar. Incrível! O destino nos colocava de novo lado a lado. A coordenadora iniciou uma dinâmica. Uma rosa ia passando. Quem a tivesse nas mãos escolheria uma colega pra oferecer. Em seguida diria uma mensagem pessoal. E assim sucessivamente. Uma forma de boas-vindas ao ano letivo que começava.
Quem começa? Maria Cristina! Ao meu lado ela estremeceu ao ouvir o próprio nome. Levantou-se e pegou a flor. De costas pra mim olhou cada rosto do círculo. De repente, se virou e me olhou de frente. Pura emoção em sua voz trêmula “A rosa é pra você Marina! E junto peço o perdão que até hoje você não me deu”. Levantei-me meio tonta e nos abraçamos, chorando. Rompia-se, enfim, a barreira do silêncio. Anos e anos em que desejamos ardentemente a mesma coisa: sermos de novo, “as melhores amigas”... E naquela hora houve muitos aplausos pra nós duas... Choro ao escrever sobre isto...