Eu queria mesmo era entender o que ele fazia ali, sentado à mesa espremida entre caixas de cerveja, no botequim de quinta, abraçado a um violão, no maior calor, às três do dia. Queria entender seu olhar embaçado, as mãos trêmulas que alisavam cabelos úmidos de suor, escorrendo da fronte para as costeletas mal feitas, que sem constrangimento algum refletiam um rosto ainda mais desmedido.
Parecia um homem rude, espadaúdo, onde jamais se poderia imaginar um traço mínimo que fosse, de fraqueza. A camisa surrada expunha músculos rijos, de uma severidade acentuada, como se prontos para um insulto mortífero, um ataque bestial, a qualquer ensaio de possível avizinhação.Os pés, abrigados por botinas sujas e gastas, oscilavam inquietos, sustentando toda sua impaciência.
Queria entender os sinais que ele trocava com os objetos sem importância alguma, sobre a toalha xadrez largados, vez ou outra, apalpados por seus dedos fortes. Pareciam trocar confidências, impressões íntimas sobre a natureza das coisas, entre uma e outra pergunta que permanecia sem resposta.
Queria entender a canção muda que compunha quando cerrava os olhos, quedava a cabeça levemente e parava, por minutos seguidos, imerso na quietude profunda de imaginária cegueira.Queria ler os lábios ressequidos, que em gestos quase imperceptíveis, entre um e outro finíssimo sorriso, gaguejavam delicados sons.
Do outro lado do bar, eu comprava água. Tempo difícil, calorento e mole, dissolvido sob o sol. Sem qualquer razão, prendeu-se meu olhar ocioso no desconhecido, mortalmente alheio a realidade do dia.
Ri de mim mesma, ao sair. Das bobagens que regalam a curiosidade humana, ao mais curto passo que se dá pela vida. Já na rua, no meio de um torvelinho de gente entrando e saindo de todos os lugares, na inconveniência da sandália que me maculava os pés, a ficha caiu. Também quis saber e entender o que eu fazia ali, debaixo daquele sol quente?
Bom, talvez, nós procurássemos, em pentagramas invisíveis desse mundo, pela essência, pelo som, de uma oitava nota.