Crônicas "Preferências de um Cão"
Algumas pessoas me chamam de: “Negão, Malhado, Vira latas, Preto” são tantos nomes que já nem me lembro.
Mas o que mais gosto é quando a mulher adorada e sua linda filhinha me acariciam me abraçam e me chamam de “Tição”
Fiquei na casa delas, apenas para ouvir este som maravilhoso que são suas vozes, a menina quando fala comigo sinto como se tivesse no paraíso.
Ah! Houve um dia triste, a mãe reuniu todos os cachorros que viviam aboletados na casa, falou:
_ Meus amores, não podemos mais ficar com vocês, minha filhinha vendo seus olhares tristes quando estão abandonados na rua, os trazem para cá. Deste jeito já são mais de nove cachorros sem dono, não tenho como sustentá-los, mesmo dividindo a comida entre todos, percebo que ficam com fome, além do mais fazem muito barulho à noite, os vizinhos chamaram até a policia para nos repreender. –
A menina chorava, a mãe enxugou pequenas lágrimas, adquiriu um sorriso no rosto e informou:
_ Tenho boas noticias, consegui ajuda de uma instituição que cuida de animais, logo eles estarão aqui para buscá-los. –
Juntamente com os outros animais, fizemos alguns grunhidos e rosnados. Dizendo: _ Nós vamos... Mas fugimos e voltamos para cá –
A doce mulher compreendeu o que falamos e respondeu firme:
_ Não, não adianta fugirem, e vir nos procurar... Vamos ficar apenas com a Princesinha, (cadelinha) que já vivia conosco –
Acariciando e abraçando a todos, explicou: _ Lá nesta instituição, vocês receberão alimentação adequada, tratamentos de veterinários, pessoas carinhosas que gostam de animais, e ficarão num espaço enorme, onde poderão correr e se divertir bastante. –
A tristeza foi geral, com alguns latidos informei à menina que Jamais fui abandonado, estava ali e suportava a comida regrada e espaço pequeno apenas para ficar com elas, desde o primeiro momento quando nos encontramos na rua me apaixonei, por suas vozes e seus carinhos, deixá-las para mim seria um verdadeiro martírio, o mesmo sentia os outros animais.
No outro dia chegaram alguns homens num grande carro para nos buscar, sob o meu comando, os outros cachorros simularam uma briga, na confusão consegui escapar juntamente com outros dois, cada um foi para um lado para dificultar a nossa captura.
Antes de sumir da vista de todos. Enderecei um ultimo olhar de despedida para mãe e filha. E lati dizendo:
_ Jamais esquecerei o amor que recebi nesta casa, sempre as amarei... –
Ah! Novamente sem destino sem parada, corri, corri muito, já cansado parei perto de um posto de gasolina, olhei para a torneira, o frentista entendeu e disse: _ Está com sede “Negão”! Respondi grunhido: _ Sim...
Após saciar minha sede lati agradecendo e perguntando:
_ O amigo não sabe onde fica o depósito dos materiais reciclados mais próximo? –
Acho que o Rapaz daquele posto não sabe a nossa linguagem, ficou confuso com meus latidos e não soube me informar.
Continuei minha caminhada sem destino, somente o céu como teto, na porta da lanchonete fiz o meu olhar irresistível de cão com fome.
Ninguém resiste a este meu olhar. Logo fiquei de barriga cheia e segui o meu caminho sem eira nem beira.
Numa grande descida senti um cheiro maravilhoso.
Finalmente o vento me trouxe o cheiro de suor de gente de verdade, não aqueles perfumes adocicados.
Aarrg.. Espirrei e balancei a cabeça só de lembrar.
Senti a imensidão de cheiros fortes do ferro velho. Vários carros de carregar sucatas estavam estacionados.
Uma grande felicidade me invadiu, com certeza encontraria outro amigo catador de papéis e o acompanharia feliz.
Alguns cães valentes se aproximaram para me amedrontar, temiam a concorrência.
Estufei o peito mostrei os dentes e lati alto para todos ouvirem:
_ Estou aqui buscando um amigo catador... Não venho tomar o lugar de ninguém... Sou do mundo não tenho frescuras.. já tive amigo que trabalhava aqui... Ele morreu... Venho para ficar... Quem quiser me encarar que venha... –
Um enorme cachorro veio para cima de mim, só que ele não contava com a minha destreza de muita experiência de rua. Dei-lhe uma lição de: tamanho não é documento.
Quando ele estava para desistir, um cão mais velho interveio latindo:
_ Parem com isso, desse jeito a carrocinha vem nos prender...
E sempre cabe mais um, vamos deixar o nosso amigo humano decidir se ele pode ficar ou não. –
Paramos a ferrenha briga.
O Homem pegou o seu carro e seguiu em direção à sua casa, seguido pelos dois cachorros, os segui a uma certa distancia.
Precisava chamar a sua atenção. Próximo a uma padaria ele parou para tomar café. Dois homens fardados vieram dizer que naquele local não poderia estacionar carrinho de catar papéis.
Imediatamente tomei a frente, mostrei os dentes, ameacei morder aqueles imbecis. O novo amigo se agradou da minha ação, me pediu para ficar quieto, iniciou ali nossa amizade.
Já na sua casa de madeira ele me chamou com palavras carinhosas e falou: _ Se você quiser ficar aqui conosco pode, mas deve tomar cuidado com ratos. Se sentir cheiro de rato sai de perto, se encontrar comida com areia no meio, não coma. –
Balancei a cabeça confirmando que já sabia de tudo isso.
Serviu para nós deliciosos pedaços de carnes cosidas dizendo que eram restos de um restaurante. Durante a noite se levantou para ver se estávamos com frio, nos agasalhou, só tínhamos o céu estrelado como teto.
Bem cedo saímos o acompanhado, o cão mais velho me deu os parabéns, por ter conquistado a confiança do nosso mestre.
Nosso amigo puxando o carro em busca de ferro velho assobiava e cantava.
À nossa passagem diversos cães presos nas casas latiam.
Na verdade eles nos invejam por esta vida maravilhosa, ao lado do amigo que consideramos um mestre, damos e recebemos amor e carinho.
Meus companheiros cães nem davam atenção para eles.
Feliz lati para todos.
_ Seus tolos, isto aqui é que é vida, temos fartura à vontade, comemos bastante até empanturrar, nosso mestre nos ensina a linguagem humana, sentimos cheiros autênticos de tudo, porque nos materiais jogados no lixo estão todos os odores.
Nosso amigo é riquíssimo todo o lixo deste mundo é dele, ele pode pegar à vontade.
Ah! Isso é que é viver.... -
Meus novos amigos cães se juntaram a mim num canto feliz.
Au.. au.. au.. aaaummm....
Au.. au.. au.. aaaummm...
Au.. au.. au.. aaaummm...