Diamante

DIAMANTE

Deixavas-te ficar por vezes à entrada do quarto, muito alto, a olhar para mim, brilhando como uma cidade inteira iluminada à noite, inalcançável, oferecendo-me regras para afugentar os meus demónios enviesados.

Eu já debaixo dos lençóis, sem coragem suficiente para te pedir que entrasses, que palavras não aquecem as mantas, escutava a tua voz crua. E aquela luz branca, perfeita, continuava a inundar-me de certezas que me emudeciam. A minha figura era demasiado pequena para lançar-te dúvidas, carências, necessidades que não sabia definir.

Esperava sempre que me aconchegasses os lençóis. Um afago nos cabelos. Mas preferias ficar à porta, um sol inacessível, falando em danos e perdas, para me proteger. Agradecia-te antes de chorar pela noite fora no lago de escuridão viscosa que invadia o meu refúgio.

Esperava pelo dia em que pudesse sentir o cheiro da tua pele. Mesmo que apenas me fosse permitido ajoelhar para captar o perfume dos teus pés de príncipe. Na noite seguinte lá estavas tu, no rectângulo do costume, ofuscando-me com a luz branca e morna, mantendo fria a esperança de um abraço, um consolo.

Proferindo discursos que julgavas bastarem-me durante a passagem do túnel silencioso da noite, mantinhas a curta e intransponível distância da entrada até à pequena cama. E mais uma noite eu teria de confrontar-me com os monstros imaginários que vinham atormentar-me os sonhos. Sem compreender a natureza do teu coração que apenas parecia indiferente, não podia lançar-te apelos de ajuda e fingindo que tudo estava bem permitia que te afastasses e levasses contigo o dia.

Só, demasiado insignificante para me mexer no mundo aterrorizador das sombras do quarto negro, tentava permanecer acordada até que o cansaço me tomava nos braços e me permitia o sono.

Apesar da tua segurança total e absoluta sobre a generalidade das coisas, também tu desconhecias a minha natureza frágil como vidro, que poderias riscar sem grande dificuldade.

AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 01/07/2010
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