justiça cega que se foi
Justiça! palavra tão repetida, tão desejada e ao mesmo tempo tão inverossímil como um conto de fadas que ao invés de destinado a crianças seria feito para iludir adultos sedentos e eloqüentes. Não me dou bem com essa palavra há muito tempo. Muito menos ainda com aquilo que a representa no seu sentido mais alegórico: os advogados, os juízes, seus livros enormes, suas retóricas infinitas e por ai vai.
Minha desilusão em tentar entender os homens é tão grande que prefiro não entrar em detalhes para não contaminar com meu pessimismo. Lembro-me de uma certa vez nos anos noventa, eu naturalmente bem mais jovem não era muito diferente de qualquer outro jovem que acha que sua geração vai fazer a diferença, que o mundo vai evoluir, que agora vai começar outra era... até que topei com uma notícia na tv: um grupo de jovens havia ateado fogo em um solitário indígena que dormia num ponto de ônibus em Brasília. Como quase todo mundo no Brasil na época fiquei indignado. Passado algum tempo fiquei sabendo que os jovens que cometeram a atrocidade receberam penas muito leves como é comum neste país quando se trata de infratores de classe alta. O que aumentou ainda mais minha indignação e de todo mundo. Até que novamente na televisão vi uma entrevista com a juíza que aplicou a tal pena aos jovens. Me lembro bem do que ela falou para justificar o seu ato, que não havia os punido severamente porque também era mãe.
Aquilo foi como uma ducha de água fria nos meus ideais. Pela primeira vez percebi que a tal justiça que era cega, agora enxergava muito bem e tinha filhos e mãe, e também tinha irmãos e porque não dizer primos,tios, avós...
Os criminosos tinham mãe e quem não parecia ter mãe agora era o índio. Aliás, agora já não me parecia nem mesmo ser mais humano, parecia mais um bicho da selva, acuado invasor, porque tinha de estar dormindo ali àquela hora? porque tinha de atrapalhar a vida daquelas “nobres” crianças? Compreendia agora a indignação dos políticos que são acusados de nepotismo "porque deixar meus parentes desempregados?" sim compreendia isso agora, engolindo tudo como um bêbado que engole a cachaça para empurrar o pão endurecido do boteco. Sim porque a justiça agora tinha olhos e tinha parentes, muitos parentes e precisava endireitar todos eles. Quem era eu para discordar?
Sem querer eles me deram a chave que abre essa prisão como diria Humberto Gessinger, percebi que aqueles jovens não haviam queimado só o índio, queimaram junto todos as minhas esperanças de ver um mundo mais justo. Minha indignação hoje soa pueril e inútil. E o vento leva tudo embora...