Um Romance Meio Doido

Era uma rotina bacana. Eu saia do trabalho e ia pro apartamento dela, que sempre me recepcionava de uma forma diferente: abria a porta de vestido e salto alto pra me provocar na segunda; na terça abria a porta com a vassoura na mão; quarta jogava a chave do primeiro andar, e na quinta jogava a chave a ainda mandava eu comprar cigarros pra ela (com o meu dinheiro). Na sexta a gente ia pro barzinho com os amigos (dela) pra (ela) beber. Afora o meu autismo nessas happy hour barísticas e os kilos que eu ganhava comendo porções de batata com bacon, dava pra se divertir. Mentira.

Aos sábados a gente dormia até às tantas. Era legal. Era sim. Domingo a gente se entediava um do outro e rolava uma briga de leve. Ou não.

Ela ficou desempregada e surtou. Sentia perfume feminino na minha roupa e só faltava me bater quando eu aparecia com algum hematoma (que ela mesma fazia no auge da fúria sexual) no corpo. Ai eu chegava do trabalho e todo dia ela jogava a chave da sacada (nada de vestido e salto alto) e perguntava o porquê dos cinco minutos de atraso e por que eu sempre ia direto pro banheiro quando chegava.

- As pessoas precisam cagar de vez em quando - eu respondia com indiferença.

- Não precisa ser tão porco.

- Você também caga. Qual é a porquice?

- Vai pro seu banheiro e me deixa, vai!

E eu ia pro banheiro sim, e ficava jogando naqueles brinquedinhos com água que você tem que colocar as argolinhas coloridas em estacas coloridas. Depois tomava um merecido banho. Trabalho e cursinho depois pregava demais. Quando eu saia do banho e ia pra sala me deparava com ela com a carranca fechada, tomando cerveja, fumando e assistindo esses telejornais disgramentos. Então colocava a televisão no mute e começava o interrogatório sobre o meu dia. Qualquer nome de mulher que eu falava era como se lhe desse uma espetada com um palito de churrasco. E cada espetada dessa criava milhares de possibilidades e encontros e eu não dava nem atenção; os lamúrios irritantes entravam por um ouvido e saiam pelo outro; eu ficava mudo e esperando e assistindo e ouvindo toda aquela cena de ciúme doentio se desenrolando no monólogo da mulher que eu amava e odiava ao mesmo tempo. Quando ela por fim cansava de falar, eu simplesmente falava: Eu te amo.

E já estávamos bem novamente.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 30/06/2010
Código do texto: T2350785
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.