VAI UMA CAIPIRINHA, AÍ?

Ela viu tudo rodar. Que isso? O muro tá meio torto? Duas quaresmeiras na calçada? Nada disso! Tem certeza que só plantou uma. Arrisca a pôr o carro na garagem? Melhor chamar o Silvinho. Será que já chegou do futebol? Ah, vá lá! Na rua o carro não pode ficar. E tomara que o Sílvio ainda não tenha chegado. Melhor não vê-la, digamos assim... Um tanto alegre...

Chuveiro! Cadê o chuveiro? Todo mundo diz que banho frio é bom. Será? Café sem açúcar também. Bastante amargor, tratamento de choque. Então, um banho ou o café? Os dois, não! É um ou outro. Ah, o chuveiro tá pertinho, vai o banho mesmo. Entra de roupa e tudo e abre a torneira. Ui, cadê o sabão? Nada de sabão! Pra quê? Mesmo porque quem diz que enxerga sabonete agora? Só água gelada mesmo...

Cabelo pingando. Vai toda encharcada pelo corredor. Ô corredor comprido. O quarto sumiu também? Ainda bem que o Sílvio não está em casa. Vai dormir um pouco. Melhorar antes do maridão chegar. Pois é, mas isso foi ideia da cabeça fraca do Sílvio! Culpa dele! Ela disse que não ia ao churrasco no sítio da Marlene. Ele insistindo “Cê precisa sair, Vivi! Tá muito caseira, meu bem!”... Só mesmo o Sílvio... Aí, deu no que deu...

É, não queria ir. Mas foi! Chegando lá, só festa. As meninas do buraco superanimadas. Churrasquinho daqui, cervejinha dali... E pronto! Até que não foi cerveja, porque não gosta. Destesta aquele cheirinho de cana podre. Mas a Mírian não deixou por menos. Ficou insistindo numa caipirinha. Ai, caipirinha não dá pra resistir. Que delícia! Nota dez pro inventor! Hum... Aquele gostinho de aguardente com açúcar, gelo e limão... Deus do céu! Foi tomando, tomando, esqueceu de parar...

E a volta pra casa? Entrou no carro. A Marlene falando “Viviane, cê não vai, não!”. Ela retrucando “Vou sim! Tô ótima! Foi só uma caipirinha a mais”. Loucura! Sem noção de como estava zoada, mas enfim, chegou! Pelo menos não tinha atropelado nenhum boi na estrada. Também não se lembra de ter arrancado qualquer árvore, ou caído num mata-burro. De qualquer jeito amanhã cedo é bom verificar o carro. Se der conta de levantar, é claro!

Quer dormir, não pode! O teto gira, a parede balança... Nossa, a tv tá suspensa no ar? Não, claro que não! Deixa pra lá. É só efeito desse foguinho bom! Sim, pois não está bêbada, entendido? É só um foguinho mesmo. E a tv está lá no lugar de sempre, no suporte da parede. Como sempre esteve, tá claro? Alguém duvida? De jeito nenhum! Chi! Que barulho é esse? Ah, Jesus! É o celular. A Marlene tá ligando. Ficou preocupada. Tinha saído meio no peito, meio na raça. Puxa, caipirinha dá uma força, né? A pessoa fica tão cheia de decisão...

Tã, nã, nã, nã, nã! Nã? Sim! A musiquinha do bendito celular! Cadê ele mesmo? Ah, olha ele ao pé da cama. Ainda bem que achou fácil “Alô, Marlene... Marlene?”. Silêncio. Ué, a Marlene tá muda! “Marleneeeee!”. Nada. De repente, dá com o Sílvio parado na porta. O maridão tá rindo. De que, mesmo? Ela fala com ele. Ouve a própria voz toda engrolada “Estranho, amor, acho que é a Marlene, mas não diz nada...”. O Sílvio senta do lado e lhe põe na mão um objeto preto e retangular “Amor, é a Marlene sim, fala com ela, mas antes me entregue o controle da tv, sim?”. Ô meu Deus, o que não faz uma caipirinha a mais, hein?