Celina

CELINA

(do livro “... aos 40!” – editado em 2007 - de Maria da Graça Zanini, Sílvia Bier, Sônia Bier e Rosalva Rocha)

Sábado, 9 de dezembro de 2006.

Celina, assistindo À TV, surpreendeu-se com a chamada “e veja amanhã no Fantástico como se comportam as mulheres aos 40 em relação ao sexo”.

Parou para pensar como pode, num limiar entre a crise e o caos no mundo, a mídia se envolver com assunto tão banal, tão “parte do cotidiano”, tão sem frescuras.

Nesse mesmo dia, participando de um curso sobre uma nova metodologia de processos, ela ouviu de sua amiga Marisa o seguinte questionamento, em tom quase feroz: “Por que é que esses gênios, que inventam tantas metodologias, não param para inventar um modelo de governo que abrande o capitalismo e o socialismo, já que está provado que nenhum dos dois dá certo?”

Celina pensou sobre aquilo ... Relembrou o documentário que assistiu sobre a diminuição da camada de ozônio e os seus efeitos e na dificuldade do ser humano de tornar-se mais consciente, solidário e próximo.

Sexo? Por que um horário nobre perderia seu espaço para falar num assunto como esse? Qual a diferença entre sexo antes e depois dos 40 anos?

O que ela percebeu naquele momento foi mais do que um pensamento: “não tinha parado para pensar que passara dos 40; a sua vida sempre foi rápida, permeada de mudanças, de desejos, de metas”.

Qual a diferença? Sexo para ela era prazer, e um prazer além do amor. Ela poderia desenhar mentalmente uma equação da sua vida nesse âmbito: fazer sexo = ter prazer. E o amor? Onde ficou o amor? Ah! ... O amor era outra coisa, era companheirismo, afeto, fidelidade. Sexo não. Lembrou-se também que somente fez sexo com quem amou. E mesmo com essa constatação, pensou em sexo = prazer. Sim, algo que relaxa, que deixa a vida mais leve, o parceiro mais feliz, os lábios mais ardentes. E ela sempre precisou disso. Sempre o associou ao sabor de uma lata de leite condensado ou de um passeio no parque. “Sexo era sexo e ponto final”. Aos 40 ela demonstrava vontade ou não de sexo com a maior simplicidade do mundo.

Sentiu-se plena naquele momento. Percebeu que, no decorrer da sua vida, esse assunto nunca lhe fora problema, apesar da sua rígida criação. Tinha plena consciência de que o seu atual namorado até se espantou com ela no início: “como pode uma mulher tão normal, tão dentro dos padrões, transar por prazer?” Contudo, ele acostumou com isso e, justamente naquele dia, os dois conversaram sobre o assunto. Bingo!

Ele pensava da mesma forma e, assim como ela, não viu o tempo passar.

Folheando o material do curso daquele dia, Celina encontrou uma frase de Leonardo da Vinci: “A simplicidade é o último grau da sofisticação”. Muito providencial.

Pela primeira vez sentiu-se, naquele momento, uma mulher sofisticada, tão sofisticada, a ponto de tirar sua melhor “lingerie” do armário somente de vez em quando. E por quê? Porque a “lingerie” ascenderia mais e mais o prazer, somente por isso.

Percebeu que o seu corpo já não era mais o mesmo fisicamente, mas, por outro lado, continuava sedento de desejo, e um desejo que não tinha data nem hora marcadas, que surgia no momento, sem qualquer obrigação, e que essa conquista tinha se dado naturalmente por ela mesma.

Teve vontade, naquele momento, de solicitar um depoimento seu ao “famoso” Fantástico. Colocaria abaixo todas as questões e finalizaria com um grande desabafo:

“Façam mídia que se aplique à realidade ou mandem para o psicanalista todas as mulheres que, aos 40 anos, ainda têm problemas com sexo”.

Rosalva
Enviado por Rosalva em 28/06/2010
Código do texto: T2346833