A Mão de Deus

O Cursilho da Cristandade é um movimento de religiosos e leigos com a finalidade de proclamar mensagens e possibilitar a reflexão de suas vidas como cristãos. É um movimento mundial.

Em 1980, participei de um desses encontros na Casa de Retiro São Francisco, aqui em Salvador. Era específico para pessoas do sexo masculino. Estavam reunidos ali, talvez, 60 a 70 pessoas. Ficamos internados desde a noite de quinta-feira até o domingo, quando festivamente se encerrou com a presença de familiares e do Cardeal Dom Avelar Brandão Vilela.

A grande turma participava de uma plenária sobre determinado assunto, que normalmente era apresentado por alguém com mais experiência de vida. Depois, divididos em grupos, debatíamos sobre cada tema. Todo grupo possuía um líder. O meu era um cidadão de nome Zé Carlos, responsável pela condução das reflexões.

As refeições, merendas, limpeza dos apartamentos eram feitas por pessoas que compunham os grupos de trabalho, na maioria anônimos. A comida era simples porque não se podia esperar muito de um grupo de homens na cozinha, principalmente quando as experiências profissionais eram diversas.

À noite, antes de dormir, acontecia a última plenária e, depois, o participante ficava livre para refletir no seu apartamento, normalmente dividido com mais dois ou três companheiros. Às 21 horas o silêncio era total nos corredores. Eles rezavam de um lado, eu lia passagens da bíblia do outro. O silêncio no nosso quarto só era quebrado pelos movimentos das páginas dos livros ou pelos murmúrios que vinham de um apartamento do outro lado do corredor. Lá, dois amigos, haviam levado baralho e uísque – a jogatina rolava até meia-noite.

Assim, alguns jogando, outros rezando, todos refletindo e comendo, chegamos à noite de sábado.

Nesse dia, por volta das 19 horas, minutos antes da última grande plenária eu senti uma dor de barriga e fui correndo ao apartamento. A porta principal estava fechada só no trinco e o quarto no escuro. A única janela que dava acesso a um grande pomar estava totalmente aberta, deixando passar a luz que vinha de uma lâmpada do poste. A porta do sanitário estava entreaberta e sendo usado por um dos companheiros. Como não havia percebido a ocupação, empurrei um pouco mais até que vi o companheiro de mãos postas e o queixo apoiado sobre as mesmas. Puxei a porta e me retirei de imediato, indo procurar outro sanitário.

Passados alguns minutos, o grupo se reuniu com Zé Carlos e cada um se ofereceu para dar depoimentos de fé vividos naqueles dias. Como eram poucas vagas por grupo, deixei a tarefa para os outros.

Era chegada a hora dos depoimentos. O companheiro, aquele que estava no sanitário, levantou a mão e, maravilhado, pediu para contar a sua estória: “Eu vi a mão de Deus”, disse ele. A platéia surpresa, calada, esperava pela seqüência. Prosseguiu dizendo que havia visto uma mão puxar a porta do sanitário e quando se levantou viu apenas a janela aberta e que Deus teria saído por ela.

Eu estava ao lado de Zé Carlos e disse-lhe que conhecia essa mão. “A mão de Deus?” Perguntou. Expliquei o ocorrido e ele me disse: “Lulu, você tem que desmentir este depoimento!”.

“Zé, o cara vai dormir no mesmo quarto e eu vou desmenti-lo diante dessa multidão? Nem pensar! Ele vai continuar pensando que viu a mão de Deus, vai contar a estória pro resto da vida e sair daqui numa extrema felicidade – falar alguma coisa vai ser um vexame e uma grande decepção para ele”.

Resultado: Se o cidadão ainda acredita no fato eu não sei. Nunca mais nos encontramos. Zé Carlos também sumiu. Quando os meus dois amigos me encontram fazem a maior festa dizendo que estão apertando a mão de Deus. Eu sigo minha vida pensando que, um dia, fui Deus!

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 06/09/2006
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