Três reais é pouco?

Zé Caparica


Minha amiga me contou um caso que vale a pena contar a história. Trata-se da Legião da Boa Vontade, a LBV, que até onde eu sei sempre foi considerada uma entidade de assistência social séria. Mas o que ocorreu, seja um caso isolado, ou instruído pela direção, beira a baixaria. E das grossas. Vejam que coisa. Essa minha amiga sempre colaborou com 10 reais por mês, que era arrecadado através de um telefonema que lhe era feito. Bastava confirmar e de alguma forma o dinheiro ia parar na LBV. Eis que no mês passado a menina liga, já cheia de intimidade e minha amiga explica que aquele mês não poderia colaborar, porque sua filha havia caído, quebrado a bacia, e que ela não tinha muitas posses e teve que gastar muito dinheiro com medicamentos, fraldas e outras necessidades típicas desse tipo de acidente. Aí começou a baixaria, digna das piores igrejas dizimistas-televisivas e destruidoras que se vê no Brasil. A arrecadadora, como se ganhasse comissão, começou a debater que 10 reais não era nada, que não fazia diferença a ninguém, e coisas desse tipo. Minha amiga até foi gentil. Disse que assim que a filha sarasse voltaria a contribuir. E já deveria ter desligado, mas a outra queria dez reais. A amiga insistiu não poder pagar, e a arrecadadora quis dar uma de generosa e “baixou” a contribuição para 7 reais. Minha amiga, talvez para acabar com a conversa, disse que se ela quisesse, ela dava os R$ 3 de desconto que ela tinha oferecido. Foi a conta para ouvir um monte de desaforos em voz alta: “R$3 é muito pouco! R$ 3 não é nada!”. Agora pensem comigo. Se R$ 3 não é nada, por que os bancos fazem tanta questão dos mínimos centavos? Por que a CAIXA, numa atitude abusiva e despropositada, começou a cobrar por saques que nós mesmos fazemos em suas máquinas, e metade do valor quando sacamos nas lotéricas? Por que todas as operadoras de telefonia cobram até décimos de centavo? Por que o comércio “cafajeste” se utiliza de preços tipo R$ 1,99 só para não devolver 1 centavo de troco? Porque de centavo em centavo o caixa enche. Imagine de R$ 3 em R$ 3 reais. Foram tantos os desaforos que minha amiga ouviu que decidiu, em minha opinião acertadamente, parar de contribuir com a LBV. Ainda essa semana li a notícia que o inominável Edir Macedo mandou pagar prêmio aos pastores que arrecadassem mais. E prêmios graúdos. Quem arrecada mais pode viajar por conta da igreja para o roteiro que quiser dentro do Brasil com tudo pago. De onde sai isso? Dos R$ 1 que os fiéis mais pobres doam à igreja. Como são muitos, hipnotizados pela máquina de fazer imbecis que ele montou, o dinheiro entra fácil. Muitos doam mesmo bastante dinheiro, mas o grosso da grana vem das contribuições humildes dos mais pobres que querem ver se Deus ajuda a saírem da merda em que se encontram antes de irem para o céu. No céu, se eu estiver certo, só vai estar Deus e seus anjos para toda a eternidade. Lá não entra alma humana. Pecamos demais e não dá pra perdoar. Seria um desaforo. Mas, ainda no mesmo exemplo, a Igreja Internacional da Graça de Deus, do pop star R. R. Soares, parou de falar em valores e começou a usar a frase “quanto Deus te tocar no coração”. Porque quando ele falava em R$ 100, R$ 50, R$ 30, os que não podiam não doavam nada, e agora, Deus toca no coração doar 1, 2 ou 3 reais e o pastor agradece. Subiu muito a arrecadação. Apesar de, até o momento, não recair sobre a LBV nenhuma suspeita maior, não que eu tenha ouvido ou lido, essa demonstração de apetite desarvorado por dinheiro não me parece um caso isolado. Seria muito estranho. Isso deve ter sido orientado e, se não foi, se foi um caso voluntário de uma arrecadadora débil mental, que fique o alerta à instituição, por que a débil mental fala em nome dela. Mas é preciso ter cuidado. Não mataram Edir Macedo no ninho e hoje ele age como um gangster e, por ser assim, nunca é pego, jamais é condenado, e cada dia tem mais adeptos. Inclusive concorrentes que o copiam até no nome, como a Igreja Mundial do Poder de Deus. Aleluia. Na mão de um pobre, 3 reais vira um almoço bem razoável. Na idéia idiota da arrecadadora da LBV não serve pra nada. No total, se o intuito é ajudar o máximo de pessoas, não tenha duvida que uma ficará de fora por R$ 3 a menos. Isso é uma indecência. Uma imoralidade. E uma grave ofensa moral à minha amiga que, com a filha doente, em necessidade, teve que passar por toda essa humilhação. Doação não é dívida.

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