CONDOMÍNIO
Condomínio a três quilômetros da cidade com toda a infra-estrutura: asfalto, ruas largas, praças e canteiros, energia elétrica e iluminação coletiva, água encanada, rede de esgotos, portaria vinte e quatro horas, quadras poli-esportivas, árvores imperiais. A esposa alegrou-se com o informativo jogado ao criado-mudo do marido que, saindo do banheiro, vestiu a camisa e se deitou. Finalmente sairiam daquele buraco para viverem num ambiente de bons vizinhos, boas casas, ruas dos sonhos.
Ambos correram aos lotes no sábado de manhã. Entraram na casinha improvisada da construtora e se deliciaram com os raios computadorizados que mostravam como o lugar ficaria dali a três anos. O marido olhou demoradamente os papéis. A esposa conversou com o vendedor, falando das possibilidades de dar churrascos aos fins de semana e, no fim do ano, juntar os familiares em torno da piscina.
- Prometo que te mando um convite, disse ao vendedor. Você tem filhos e dois netos, não é isso? Você vai poder trazer seus filhos, seus netos, seus genros, suas noras, sua esposa.
O vendedor confirmava com a cabeça, mudando a feição quando o marido, dispondo o papel sobre a mesa e retirando uma caneta do bolso escondido pelo pulôver, assinou o contrato, ignorando algumas frases em itálico.
Em cinco meses, terrenos demarcados, iluminação pública, asfalto novo, água e rede de esgoto prontos. Seis casas entregues aos novos proprietários. Marido e esposa sortudos: primeiras chaves e caminhão para fazer a mudança.
A mudança se deu tranquilamente. As manhãs eram quentes, as tardes sonolentas, as noites preocupantes e, de uns tempos para cá, as madrugadas se tornaram angustiantes. No começo, a esposa imaginou alguém rondando a casa. Quando se levantou para ir ao banheiro, um homem de olhos grandes e pretos, testa larga e nariz felpudo impelindo o rosto contra o vidro transparente.
O marido levantou-se aos pulos com o grito de susto, agarrou-se ao pedaço de madeira deixado embaixo da cama para emergências, abriu a porta da cozinha. No dia seguinte, marcas de botas. Reclamou ao porteiro, mas o funcionário, três meses sem salário, saía às dezoito horas. O substituto abandonara o emprego por motivo óbvio: cinco meses e meio sem nem mesmo receber papel higiênico, sabonete e água para manutenção da guarita sem energia elétrica.
O gerente da imobiliária e o diretor jurídico da construtora comprometeram-se a reforçar a segurança nas imediações. Cinco semanas e ninguém apareceu. Dois moradores do condomínio – horizontal e que deveria ser fechado – abandonaram seus imóveis e outras duas famílias buscavam casas para alugar na periferia, uma vez que boa parte do dinheiro, das economias e do patrimônio tinha sido investida no empreendimento.
O marido voltou a telefonar. As ligações eram transferidas de ramal para ramal, de departamento para departamento, de subordinado a chefe, de puxa-saco a idiotas até cair e, sangue fervendo nas orelhas, ser atendido pela voz cínica da telefonista:
- O senhor de novo? Mas será que não consegue resolver seu problema?
Desta vez, o diretor-geral da construtora ouviu atenciosamente suas solicitações. Ao fim do dia cerca com arame farpado e interfone. O marido lamentou-se, mas antes cerca com arame farpado e interfone do que nada. Conforme o prometido, entrou na área coletiva dirigindo o carro e perguntando a esposa o que tinham feito. Uma cerca que geralmente prende porcos e pouco alcança sessenta centímetros. À porta da pequena cerca, um improvisado fio com lata de ervilhas. O interfone?
No dia seguinte entrou apressado na sala do diretor-geral. Que palhaçada aquela? O que pretendia? Constrangê-lo? Humilhá-lo? Torná-lo motivo de chacota na cidade? Já que pagara a maior parte das prestações, queria o dinheiro de volta, acrescido de juros, correção monetária e danos morais.
- Vocês desrespeitaram o contrato. Não terminaram de construir as casas. E o porteiro? Para que porteiro com salário atrasado se nem muro o condomínio tem? Quero meu dinheiro de volta.
O diretor-geral solicitou o contrato ao ajudante e, lendo-o calmamente na frente do cliente, explicou que não devolveria nada. As letrinhas em itálico: “A integralidade da prestação dos serviços descrita apenas acontecerá se agente financeiro ativo se concretizar”.
- Isso quer dizer que só teríamos de concluir a estrutura do condomínio se vendêssemos todos os lotes. Como vendemos apenas nove...
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 25 de junho de 2010.