Loquinha, romântico
Loquinha grita:
– Ô Shirley, traz um tira-gosto pra esse cabra-safado não sair daqui dizendo que passou fome!
Shirley, da cozinha, grita:
– Lembre que eu sou sua mulher, e não sua escrava!
Loquinha me encara e diz:
– Essa peste gosta de dizer isso pra eu pensar em como a vida poderia ser melhor…
Shirley, ouvido de tuberculosa, dana:
– Que foi que você disse?!
– Nada, meu amor; disse que te amo!
Loquinha me olha e sussurra:
– Melhor mentir que amo ela, que é de graça, que pagar esse tira-gosto no bar de Zé Pezão…
– Tô escutando, cabra-safado!
Quase só mexendo a boca, ele estrebucha:
– Eita mulher desgraçada…
– Desgraçada é sua avó!
– Desisto…
Shirley vem com o tira-gosto, um tatuzinho guisado, e se senta, contrariada. Loquinha dá-lhe um grande abraço, chama-a de meu bem, mas ela, indignada, diz:
– Você tá muito cavalinho! Daqui uns dias vai estar fazendo o mesmo que Cabeça de Pantanha fez!
Daí eu perguntei:
– E o que foi que ele fez?
Ela, quase triste, mandou:
– Ah, Pablo, Cabeça de Pantanha não é mais aquele que você conheceu; tá todo mudado! Vê: ele tava na usina, doido, estressado, olhando as planilhas da produção…
Loquinha antecipou uma risada.
– Ria não, Loquinha, que é sério! Aí, Pablo, a mulher dele estava pra ter nenê. Mas ele tava lá, vermelho, dando esporro em todo mundo, preocupado com os números, quando a secretária entrou…
Loquinha desatou a rir de novo.
– Tá vendo, Pablo?, ele não liga pra nada! Mas, vê só que absurdo: ela entrou, emocionada, quase sem conseguir falar, alisando a própria barriga. Cabeça de Pantanha olhou pra ela e disse, na maior grosseria: “Que é que há, Claudinete?! Ora-porra, você não tá vendo que eu tô ocupado?!”
Loquinha sorria frouxo.
– Deixa esse doido, Pablo, e me escuta: aí ela, toda emocionada, disse: “Doutor, sua mulher acabou de ligar; disse que não conseguiu falar com o Sr. pelo celular!” E ele: “Que é que essa infeliz quer?” Depois de uma pausa, de um soluço, a bichinha da secretária disse: “…Ela disse que a bolsa estourou; a bolsa es-tou-rou!” Sabe o que Cabeça de Pantanha disse pra secretária?
– O quê?
– “Diga àquela jumenta que cuidado com os documentos e o talão de cheque!”
Loquinha abriu a gargalhada, cuspinho farinha por cima da mesa. Shirley, revoltada, exclamou:
– Agora desisto eu! Vou lá pra dentro! Casei com um doido!
Olhei pra Loquinha, que tava quase se engasgando, e perguntei:
– Isso é verdade mesmo? Cabeça de Pantanha fez isso?
– Fez não (tosse), mas fica na tua (tosse) que ela pensa que é verdade (tosse)…
– Ah, tá.
Tosse. Deglutição. Soluço. Pausa. Fala:
– Tatuzinho tá bom, tá não, Cabeção?
– De primeira.