DADÁ – AUSÊNCIA E SAUDADE – O MAIOR DESFALQUE

O futebol sempre foi a paixão de todas as gerações brasileiras, desde a época em que Charles Muller trouxe as primeiras bolas para o nosso país, implantando com isso o futebol, e com toda a emoção que ao longo dos tempos passou a fazer parte do DNA dos torcedores, num genoma de sentimentos que levam às vezes à raia do fanatismo, desencadeando-se em verdadeiros atos coletivos de violência nos dias globalizados de hoje, onde o esporte bretão, afeito aos negócios, comercial e financeiro perdeu seu caráter esportivo e romântico.

Como eu sou saudosista, irei remontar-me aos anos sessenta, quando era ainda garoto, vivendo na cidade de Santa Maria da Vitória, interior da Bahia e, lá o futebol sempre foi uma paixão. Quando a seleção da cidade era convocada para jogar, a expectativa naquela época era a mesma despertada para a seleção brasileira em tempos de copa do mundo.

As principais seleções da época eram a de Barreiras, Bom Jesus da Lapa, Santana, Correntina, Caetité, Guanambi, Carinhanha"que tinha um ponteiro que driblava sapateando com a bola nos pés dando um verdadeiro espetáculo de plástica com o seu belo futebol levando - nos ao delírio, nem as pedaladas do Robinho chegavam aos pés do sapateado e até hoje não vi ninguém fazer igual" e a nossa de Santa Maria, é claro. De todas as seleções citadas, as da cidade de Barreiras, Bom Jesus da Lapa e Santa Maria da Vitória formavam o verdadeiro trio de ferro, verdadeiros clássicos rivais do sertão baiano. A seleção de Barreiras era altamente técnica e jogava duro; a seleção do Bom Jesus da Lapa poderia ser considerada igualzinha à seleção da Argentina, cheia de manhas e artimanhas, catimba à beça. A nossa seleção era semelhante à seleção brasileira de setenta, com um futebol vistoso e muito bonito para ser assistido. Dava gosto de vê-la, inclusive a cor da camisa era amarela. Alguma semelhança?

Foi numa tarde de gala que a nossa seleção, em domingo de festa, comandada pelo craque Dadá, Belonísio, Nissão, Tutes, Marinho, Dema, Bel, Tonho de Palu, Vicente e outros que no momento não me lembro, aplicou uma sonora goleada na seleção de Barreiras, dando um verdadeiro passeio no terrão do estádio Wilson Barros. Nunca vi espetáculo tão maravilhoso como aquele! O craque Dadá jogou de mais naquele prélio. Eu assisti tudo lá do morro da Coelba, já que não tinha grana para comprar ingresso para entrar no estádio. Eu e muita gente. Tinha mais torcedores no morro do que lá dentro do estádio.

Após o jogo, em meio à festa, cada jogador seguiu seu destino. Lembro-me, como se hoje fosse, Nego Lito e eu andando pelo bar e sorveteria Santa Clara, onde alguns craques bebiam e conversavam; pelo bar do Maninho e até na beira do rio, no cais, ao fundo do barracão da Cia. do Vale São Francisco, onde ficava também a barraca de João Augusto, construída praticamente dentro do rio, porque, por lá, nosso craque maior, Dadá, tomava banho, e nós, de cima do cais, observando e admirando como se olhássemos um deus.

De repente, algo pareceu ter dado errado! Com cara de dor, nosso craque saiu de dentro da água com um dos pés sangrando muito. Ele havia pisado num caco de vidro de garrafa de cerveja e sofrido um corte profundo na sola do pé. Caminhando com bastante cuidado, dirigiu-se para à farmácia do João Alexandre, deixando marcas de sangue pelo calçamento das ruas. A farmácia do João Alexandre ficava nas dependências das propriedade dos pais de Dadá e lá os primeiros curativos foram realizados.

Nego Lito e eu, na nossa inocência de fãs, chegamos a pensar que até a quarta-feira, dia da realização do segundo jogo com a seleção de Barreiras, o corte já teria sarado e ele não desfalcaria nossa seleção. A notícia do corte do pé de Dadá se espalhou rapidamente pela cidade, deixando os demais jogadores preocupados e também toda a torcida santa-mariense em polvorosa. A contusão de Dadá seria um desfalque sério para a seleção. E isto se confirmou. O segundo jogo contra a seleção de Barreias foi duríssimo. Não perdemos, mas a ausência do nosso craque fez muita falta, pois nosso time já tinha um estilo de jogo e de jogadas totalmente entrosadas. Dadá preparava para Belonísio concluir, Tutes ou Nissão, vindos de trás.

Vale aqui um pequeno histórico sobre o craque Dadá. Ele é tio do grande jogador Fernandinho, que brilhou por muitos anos jogando pelo futebol goiano. Em 1974, jogou no Santos Futebol Clube, no campeonato brasileiro, realizado no primeiro semestre daquele ano, inclusive levando o Santos às semifinais, quando foi desclassificado pelo Vasco da Gama. Fernandinho contribuiu e muito para que o time santista chegasse àquela posição. Ele jogou ao lado do Rei Pelé, Clodoaldo, Brecha, Cejas, Marinho Peres e outros craques do time da Vila Belmiro. Para nós, foi um orgulho enorme ver um santa-mariense jogando ao lado do maior jogador de futebol de todos os tempos, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.

Fernandinho é também irmão de Zé Teodoro, lateral direito que brilhou no São Paulo Futebol Clube nos anos oitenta e noventa, inclusive ganhando muitos títulos. Considero, na minha humilde condição, Zé Teodoro e Cafu, os melhores laterais direitos que jogaram no São Paulo nos últimos vinte anos.

No domingo, 13/6/2010, falando ao telefone com meu amigo,o Poeta Novais Neto, mencionei a ele que havia escrito uma crônica e citado Dadá quando, lhe perguntei como ele estava e Novais que também é primo de Dadá, deu-me a triste notícia da sua partida deste mundo, deixando-nos muito cedo. Isto, portanto, obrigou-me a mudar o título desta crônica: de “DADÁ, O DESFALQUE DA NOSSA SELEÇÃO” para “DADÁ – AUSÊNCIA E SAUDADE – O MAIOR DESFALQUE”.