A procissão dos litros de agua

Meados de Agosto, tempo quente, sol de rachar.

O mato ficava seco. Muitas queimadas nos campos, fumaça cobrindo vales, morros, serras e montanhas.

À noite, mal víamos a luz fraca da velha Itabira.

Quando tudo estava desolado devido à seca, Dona Maria de Sr. Monteiro tinha uma solução: Molhar os pés dos Cruzeiros.

Havia muitos Cruzeiros na cidade. Cruzeiro do Bonfim no Pico do Amor, Cruzeiro do Colégio das Irmãs, Cruzeiro de Santo Antônio, na Vila Paciência, Cruzeiro da Boca da Mina, próximo ao ponto dos Aflitos, Cruzeiro do Morro no Moinho Velho, Cruzeiro do Cemitério, Cruzeiro da Matriz do Rosário, e outros na zona rural.

Nossas mães eram comunicadas e faziam questão que participássemos. Saíamos em procissão com os pés descalços pelas ruas vermelhas do Berra lobo e do Campestre. Os meninos de um lado e as meninas do outro. As meninas sempre ia bem pertinho de Dona Maria, protegidas de alguns meninos insubordinados que gostavam de fazer gracinhas.

Todos alegres, cantando hinos de louvores: “lembrai-vos São José, oh! protetor querido”. Suplicávamos o Santo responsável pelas torneiras do céu conforme os antigos. Recitávamos os mistérios dolorosos do Rosário e em nossas mãos carregávamos litros cheios de água.

Alguns meninos ousados carregavam pesadas pedras de minério na cabeça. Nossas mães observavam das janelas aquela procissão de meninos. Ficavam orgulhosas por causa de nossa fé.

Meio dia, sol no meio do céu, lá estávamos aos pés do Cruzeiro. Ajoelhávamos e rezávamos ladainha de todos os Santos, alguns mistérios do terço, um Pai Nosso, o credo e uma salve rainha. Certos do dever cumprido, retornávamos para casa.

No caminho, não sei se por coincidência ou milagre, às vezes a chuva caía. Ficávamos orgulhosos na certeza de sermos ouvidos pelo céu. Às vezes assuntados pela violência da tempestade.

Em casa, nossas mães tinham uma receita nas mãos. Queimavam os ramos que foram bentos durante a Missa do Domingo de Ramos. Como num toque de mágica ou mesmo milagre, a tempestade acalmava.