Sábado com Loquinha

Loquinha foi morar em Penedo, trabalhar numa usina acolá.

Um dia, estando eu em Maceió, ele me liga:

– Alô.

– Fala, bicho de ponta; é Loquinha!

– Fala, colega!

– E aí, vem com mãe aqui pra casa?

– Tô indo na sexta.

– Beleza. Vai trazer o quê?

– O bucho.

– Vai te lascar!

– Ôxe, e num foi você quem convidou?

– Sim, mas eu chamei pra gente beber; foi pra te adotar não, porra.

– Tô quebrado.

– Deixa de onda. Trás que aqui a gente racha.

– E em Pilar não vende rum não, é?

– Tenho tempo não. Traz duas garrafas de rum, gelo e refrigerante. Eu vou pagar, pô!

– Beleza.

Comprei as bebidas, já condenado a pagar sozinho. Botei a negada no carro e toquei pra lá.

Chegamos tarde e dormimos direto. Na manhã seguinte, acordamos e fomos tomar café. Nisso, a mulher de Loquinha, Shirley, chegou e sentou ao lado dele, toda ancha, sorrindo pras visitas.

De repente, Loquinha inspirou fundo, atravessou a cara pra ela e mandou:

– Que cheiro de pasta de dente é esse?

– É meu, meu filho. Posso mais escovar os dentes não?

– Poder pode, agora me diga: depois do café você vai escovar de novo, né?

– É lógico.

– Bonito! Daí vai gastar a pasta duas vezes!

Minha mãe, impactada, embora conhecendo o filho a quem deu leite, exclamou:

– Que é isso Loquinha! Aí já é demais!

– Mãe, a senhora não tá entendendo. O que vale é o princípio, aquele… Como é, Pablo?

– “No bis in idem”.

– Isso: “nobizinide”. Essa peste já gasta! Se acostumar a dobrar o custo, tô lascado! Tudo na vida é princípio, mãe; princípio!

– Afe-Maria.

Comemos a bóia de Loquinha, que disse:

– É, tá muito bom. Vocês já comeram às minhas custas; agora vamo ver as comadres de mãe, lá na beira do São Francisco, que, ómenos lá, paga outro.

Chegamos. Lugar bacana, vista pro rio, comida na canela; tudo massa.

Mas, como tinha muita velharia, logo os biriteiros da antiga-guarda pediram arrego, cada qual pra sua redinha e, subitamente, me vi bebendo de testa com Loquinha, numa roda formada por mãe e suas amigas, que tomavam café e falavam dessas coisas de comadre: família, doença, velhas histórias e uma das prediletas: as boas ações.

E estavam nesse tema quando se deu o fato.

Mãe disse:

– Adotar é um ato de grandeza!

Com que as comadres concordavam, em gestos profundos e religiosos.

Mãe seguia:

– E bonito mesmo é quando se adotam crianças doentes, ou já crescidas!

Loquinha ouvia, com aquela cara de enjôo, e entornava o copo. Eu, escritor que não me renego, olhava o rio, ausente, mas captando o papo, sem me dar tanto em conta.

De repente, mãe disse:

– Entre nossos amigos, tem um casal que admiro muito…

Loquinha franziu a testa e olhou pra mãe desconfiadamente.

– Eles têm quinze, QUINZE filhos! Deles, só três são de sangue; o resto, adotaram!

Loquinha virou uma cara de carcará pra platéia; aquela cara que, sei bem, prenuncia desgraça. Suspirou, botou o copo num canto, levantou o dedo solenemente e, interrompendo a conversa na emenda, atacou:

– Mas essa é boa! Adotar ele adotou, mãe, mas não me venha com essa de caridade; adotou porque é muito mais negócio adotar um borrego que ter de entrar no sacrifício de emprenhar aquela catrevage da mulher dele, que ele chama de “meu bem”!… Ora, mas tá!…

De sério a solto, Loquinha abriu a gargalhada. O rio, pra mim, desapareceu. Quando virei a cara, estavam as velhinhas, chocadas, olhando pra Loquinha e pra mãe; pra mãe e pra Loquinha.

Mãe cutucou meu bucho (que tremia, abafando o riso) e disse:

– Vamos, meu filho?

– Vamo nessa, mãinha.

No carro, Loquinha disse:

– Tá cedo ainda, Cabeção. Vamo agora beber onde?…

Ao que mãe atalhou:

– Tanto faz, desde que não tenha ninguém que eu conheça…

A velhinha tava emburrada, mas não me engana: tinha um sorriso no canto da boca.