A N D A N Ç A
Passa um pouco das dezoito horas.Uma boa ducha,morna é claro,umas gotas de "Polo",o meu predileto,e estou pronto a sair pra rua;que ninguém é de ferro.
Gosto do "Polo" pela sua oscilação da leveza quase inocente do campo ao toque bruto e agressivo do cheiro de mato.Sim,eu gosto de perfumes,e daí?...
Que me perdoe o Dante Marcucci,mas aquela sua história de "apenas um cheirinho de sabonete" não me desce pelos gorgomilos.
Acredito,assim que êle cruzar com uma mulher cheirando à "L´Air du Temps" de Nina Ricci,a sua opinião irá mudar,radicalmente.Até porque elas transformam-se em deusas aladas e vão deixando um rastro estrelado à sua passagem.
Bem,mas esta é outra estória e provocar "de leve" o meu amigo gauchão,pode até ser perigoso,mas é tentador!
Estou agora em plena rua...
Prometi à mim mesmo de que hoje não falaria sobre as minhas andanças da tarde.Sei já estar me tornando cansativo,mas como não faze-lo?...Se a primeira visão que me ocorre é desta lua cheia,fantástica,sorvendo os resquícios de um dia frio que entrega os pontos sob um céu pincelado de tantas cores?
Vou ganhando a distância... À minha frente,um parquinho de diversões.Modesto,com suas luzes quase humildes...Típico de bairro. O serviço de auto falantes,indispensável,berra uma canção no melhor estilo brega. No silêncio da tarde a dupla sertaneja esbraveja:
"Quem me vê assim sorridente,não sabe o que estou passando///O meu sorriso é triste,eu devia estar chorando..."
Penso em meus sorrisos. Não o que hoje ostento,que por sinal está nos conformes,mas em tantos outros que já mascararam "rios de lágrimas". Exageros à parte,mas vocês hão de convir comigo,ou melhor,com a dupla sertaneja,de que êste refrão encerra uma "baita verdade",não é mesmo?
Prossigo...
...E esta lua a me provocar. Desperta-me novamente aquêle lobo que habita em cada homem e o desejo de um uivo é sufocado pela consciência de que lhe sirvo apenas de refúgio...Mas,sou um homem. Sóbrio,comportado e...Cheirando à "Polo". Então,permaneço calado.Mastigo e engulo à seco o dito uivo.
Dirão vocês: Quanta bobagem!
Digo-lhes,também: Plenamente de acordo.
No entanto,esta lua,êste começo de noite,esta magia...Instigam-me à pensamentos e reflexões quase pecaminosas.
E, instintivamente,acaba-se criando imagens ,digamos,pouco recomendáveis,impublicáveis,até. Depois de pensar,refletir,criar imagens,naquêle exato momento em que cai a ficha,automaticamente a tecla do bom senso é acionada e dá um delete em tudo isso.
Estou agora proximo ao portão de casa...
Na penumbra um ciclista passa por mim.Levo um susto e meus ouvidos são agredidos com aquêle voseirão:
_Tudo bem?...Meu amigão!
Viro-me e dou de cara com aquêle sorriso de cangaçeiro do qual já falei na minha crônica "O desconhecido".
_Tudo bem,respondo-lhe.
A fisionomia me é quase familiar,já topei com ela várias vezes,no entanto sequer sei o nome do sujeito.
Mas o "ser" é persistente e agora não tenho dúvidas de que nos conhecemos de outras encarnações.Fomos amigos íntimos,possivelmente.Esta é a única explicação para êsse "grude" que entre uma pedalada e outra tem ainda a petulância de acrescentar,mesclada àquela risada de integrante do cangaço a seguinte pérola:
_ Cheirosão...Hein!...Gooorrrdo! KKKKKKKKK......
Aquêle sorriso macabro e a "figura" vão desaparecendo rapidamente pelo acostamento.
E eu reflito:"Que sina,a minha!"