À, José de Sousa Saramago!

“Porque nós somos de ontem, e somos uns ignorantes, porquanto os nossos dias sobre a terra passam como a sombra” (Jó, 8;9)

Levantado do chão, uma planta, uma flor, um ser chamado Saramago ergueu-se dos montes de Azinhaga, chamou atenção do mundo, singelo, nascido do berço humano da ignorância, mas pelo esforço próprio, um memorial que avultou-se, pregando um Evangelho humano, de palavras contundentes, denunciando a corrupção, a falsa fé, a religião que escraviza, a fome, a miséria, a pobreza, a Cegueira alastrada em cada canto da terra, em cada âmago do ser humano, uma cegueira psicológica e mental. Conclamou e alertou a sociedade sobre a vergonha das histórias do passado, das crises políticas e religiosas, das crises humanas, da fantasia, do Embargo, do ser psiquico, do ser fantástico e do ser sonhador, do homem da Ilha Desconhecida, do interior solitário que é cada homem, das decisões, das portas a escolher para atravessar. Escreveu o homem, dele, para ele, seus sonhos, anseios, dos camponeses de sua terra e dos confins da terra, de Blimunda, de Baltazar, da pátria lusa, dos sem nome do mundo que todo ser pisa. Somos ninguém, somos personagens sem nome. Revolucionou as formas da escrita, sua estrutura, vale o que se tem de conteúdo a apresentar, jamais o oco, o vazio.
Não acredito que o mundo tenha ficado mais ignorante, ninguém pode ser mais do que já é, se foi nada, nada se acrescenta, se foi tudo, tudo se ausenta. Aprendiz, um aprendiz foi Saramago, até o último suspiro e ensinou-nos a ser aprendizes, observadores, leitores, devoradores de sabedoria, sensíveis a tudo o que nos cerca e rodeia, sensíveis com a matéria que se chama ser humano e mostrou-nos o que sabia sobre a existência. Sensível com tudo o que rodeia o homem: a natureza. Foi um questionador do que é o homem, de seus conceitos religiosos, sociais, psíquicos, inquiridor da vida. As letras ficaram, sim, mais pobres, sem a presença viva do maior expoente mundial, do ser amado Saramago, do novo Camões que navegou pelas letras como jamais alguém fez desde o bardo, por mares nunca dantes navegados, pelas Canárias, por Portugal, pela Espanha, pelas mentes universais mundiais.
Sua ausência aprendiz, Saramago, deixa-nos com sabor amargo, com uma sensação de impotência, pela dor da perda, contudo, seu legado adoçará as novas gerações como a ambrosia do Olimpo, o néctar que encanta e deleita os deuses e os mortais.
Como disse o aprendiz, não tenho medo de morrer, sou como minha avó, que disse certo dia que o mundo em que vivia era muito bonito e que tinha tanta pena de morrer. E ele complementou que não se arrependia da vida que levará, de nada, da infância, que se pudesse, repeti-la-ia, com tudo, com as alegrias, com as tristezas, com a fome, com a pobreza, com os porcos, com as moscas.

Geraldo Mattozo
Enviado por Geraldo Mattozo em 23/06/2010
Reeditado em 13/07/2011
Código do texto: T2337446
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