Equivalências de turista fazendeiro

Itamaury Teles

Um amigo meu resolveu fazer viagem para o exterior. Escolheu países da Europa para o seu primeiro périplo internacional.

Na verdade, queria mesmo sumir um pouco de Montes claros, ficar longe da sua cara-metade com que andava às turras...

Encontrei-o num happy-hour, quando seus olhos brilhavam de expectativa com a viagem que faria uma semana depois. Estava com um mapa do continente europeu e com um guia com informações turísticas das principais cidades do Velho Mundo.

Mostrou-me o roteiro que faria sozinho, já que seu inglês, aprendido em aulas radiofonizadas pela BBC de Londres, o credenciava para essa aventura solo.

Esse meu amigo tinha uma fazenda, onde criava vacas de leite. Era fornecedor de leite à cooperativa, onde recebia por litro uma quantia por ele considerada irrisória, que sempre comparava com o preço da cerveja, quando bebíamos.

- Um absurdo este País. Pra tomar uma garrafa de cerveja tenho que vender seis litros de leite. O produtor neste Brasil velho está desmoralizado, sem representantes. Não há uma política de incentivo à produção agro-pecuária. Quem lucra é quem não corre risco. Uma inversão da lógica.

E ele tinha razão em suas fundamentadas ponderações. Mas, agora, ele estava animado. Iria conhecer países desenvolvidos, economias pujantes, povo educado. Nesse clima, indaguei dele quanto tempo pretendia ficar no exterior e ele, que poucos minutos antes falara horrores da mulher, responde-me de chofre:

- Meu amigo, não sei quando volto, nem se volto!

Rolei de rir daquela sua fala, recheada de ódio, mas não quis cutucá-lo mais. Sabia que era coisa passageira e que, logo, logo, estaria relacionando-se bem com a sua mulher. Isso já havia acontecido antes...

E sumiu meu amigo para a Europa. Esperava vê-lo muito tempo depois, mas logo percebi que estava enganado.

Poucos dias se passaram e eis que ele ressurge lépido, leve e solto, na nossa mesa no “Skema”. Surpreso, quis saber o porquê do seu retorno tão rápido, já que pretendia ficar na Europa por tempo indeterminado. Foi aí que ele me explicou, minuciosamente, o que ocorrera:

- Quem é que aguenta a carestia na Europa? Você pede uma água mineral e ela custa o equivalente a R$ 10,00. Ou seja, pra você matar sua sede na rua, você gasta o equivalente a 20 litros de leite. Se quiser tomar uma Coca-Cola, mais 30 litros de leite. Aí, bati em retirada, antes que eu bebesse todo o meu rebanho em poucos meses...

E foi assim que meu amigo chegou à conclusão que o melhor lugar do mundo é aqui e agora. E quietou o facho com suas paixões pelos países europeus. Pelo menos enquanto perdurar sua mania de tudo transformar em preço do litro de leite entregue à cooperativa...

Itamaury Teles
Enviado por Itamaury Teles em 23/06/2010
Código do texto: T2337407
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