Alice e os anjos em queda
Nada que seja tão forte assim, pode ser bom.
Que espécie de transtorno é esse, que paralisa o pensamento, faz a musculatura entrar em colapso e todas as funções cerebrais ficarem desordenadas? É o que talvez os especialistas em simplificação chamem de amor. Mas não. Será que Alice daria sua vida por Nicolai?? Tenho dúvidas. Só sei que minha situação, aqui em cima, fica cada vez mias estranha e complicada.
Naqueles campos queimados, à beira de um caminho poeirento e sem encantos, onde passaram tanques de guerra, soldados e máquinas projetadas para a dor, enfim, após a chuva que sempre cai nesses momentos, para que a dramaticidade seja elevada ao máximo do sentimentalismo, nasceu um ser estranho, sem forma e com nome presumido, entre o corpo ferido de Alice e a alma equivocada de Nicolai.
Eu costumo ver os macacos de Deus se arrastando pela terra e se amarem e se trairem, se matarem e serem consumidos pelas suas consciências imundas, mas isso... É alheio ao que conheço.
Alice e Nicolai se estranham, se encantam mutuamente. Pode-se adivinhar que depois daquele encontro, vão se amar doidamente, esfregar seus corpos castigados como num tango horizontal, e fatalmente, preferirão uma outra vida.
Lá longe, já se vai a banda que acompanhava Alice. Vai tocando qualquer coisa, para espantar o tempo que vem, e não fica. Lá embaixo, abaixo de tudo o que é natural, repousa o violoncelo que cumpriu bem seu papel.
Como a chuva lavou o sangue, o vômito e a vergonha, o que resta para esses dois levarem por esse caminho torto?
Talvez eu não tenha resposta para dar a esses dois. Isso me assusta.
O que eles esperam, parados no meio dos corpos fatiados enquanto tentam adivinhar as cores de seus respectivos olhos??
Hoje sou quase tão humano e fraco que poderia a té saber o que é a angústia de nascer condenado à morte.
Finalmente os dois seguem.
-A chave abre um pequeno cofre, onde guardei fotos antigas, partituras e estiletes para emergência.
-Então, Nicolai, creio que não necessitamos voltar. Deixe-os lá.
Os insetos, sempre eles, tentam entender este pedaço de siálogo, como que cheio de símbolos ocultos ou verdades definitivas. Só posso dizer que a única verdade que os dois carregam como pedras gigantescas nos ombros, é que ambos teriam de ser o castigo um do outro.
Um escreve estranhamente no ar, o que só entenderá no futuro.
A outra, tenta morrer aos poucos e dolorosamente, para dar sentido a um ajuntamento de átomos aleatório, que originou o pensamento, as ogivas nucleares e os absorvente íntimos.
Quanta dor ainda podem suportar?
Eu prefiro a fuga. Nada mais honesto que a fuga. Estou me esforçando para me tornar humano. E para isso, aprendi a primeira lição: trair e fugir.
Alice e Nicolai, começam a caminhar.