As criancinhas de Sivuca pedem passagem
Antes de desencarnar, o mestre Sivuca escreveu carta à filha Flávia Barreto pedindo para “fazer alguma coisa pelas crianças da Paraíba”. O sentido é de qualificação, principalmente artística. “Para Sivuca, como também para muitos brasileiros, a música foi uma forma de inclusão social e garantia de sobrevivência. Por ser albino e, por isso, impossibilitado de tomar sol e com dificuldades de visão, o artista jamais poderia trabalhar na lavoura ou na sapataria, como os membros da sua família. Nesse sentido, as oficinas visam qualificar o músico de forma a ampliar as possibilidades de trabalho como profissional e abrir novos espaços para a sanfona no cenário cultural brasileira”, diz o texto do Projeto Sivuca – Mestre da Sanfona Brasileira.
De alguma forma, tem gente fazendo a tarefa que o mestre sonhou, buscando elementos na própria arte musical. Isso em Itabaiana, sua terra querida. O Ponto de Cultura Cantiga de Ninar é palco de lições diárias de amor à arte e abnegação, confiança no futuro e cultivo de sementes que certamente irão germinar, por um mundo mais decente e bonito. Crianças e adolescentes que aprendem a tocar violão e teclado e são introduzidos no mundo da música, tanto popular como erudita. Professor Vital Alves dá noções básicas de música e técnicas de violão, enquanto o maestro Josino Mendes ensina teclado para jovens de baixa renda. Por sua vez, a professora Sueli Jovelino transmite linguagem de dança, misturando técnicas eruditas com os passos do balé popular. É o grupo “Meninas do Rio” que propaga e preserva nossa cultura por meio de meninas entre 8 e 13 anos, a maioria delas afro-descendentes e oriundas de comunidades pobres.
“Tentamos por conta própria levar esse projeto cultural em Itabaiana, a despeito da indiferença dos poderes públicos”, disse Marcos Veloso, um dos coordenadores. Unidos pela arte, os oficineiros e monitores do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar recebem pró-labore simbólico do Ministério da Cultura. “Esse projeto é uma ousadia histórica, levando-se em conta o cenário nada promissor da produção cultural em Itabaiana”, afirma Veloso, ele mesmo com mais de 30 anos de atuação no teatro, tendo fundado um teatro de bolso na cidade, na década de 80. “Fiquei encantado e obstinado pela ideia de fazer alguma coisa em matéria de arte em benefício de crianças carentes em minha cidade, por isso levo adiante o empreendimento junto com outros voluntários”, declarou.
Na real, o projeto vive de teimoso. Não se tem grana para o aluguel, luz, água, internet ou material de limpeza, é na base da rifa, da “vaquinha”, aperreios que não tiram o vigor e a vontade da equipe. Agora mesmo vou lançar um livro com arrecadação destinada ao Ponto, e a moçada já está na rua, vendendo subscrição da obra. De forma que estou fazendo a minha parte, junto com amigos iguais ao Dr. José Mário Pacheco, que doou instrumental do nosso grupo de música regional “Ganzá de Ouro”. O sonho de Zé Mário é perpetuar os valores de nossa terra através da arte da sanfona, nós que somos conterrâneos do mestre maior do instrumento que o imortalizou. Projeto para ter início no ano que vem.