Não se deixe Impressionar

Futebol a gente jogava o ano inteiro. Todos os dias sempre tinha um joguinho, fosse no meio da rua, com o gol improvisado, delimitado por duas pedras grandes, ou numa partida mais elaborada no campinho organizado nos terrenos baldios do nosso bairro, onde tinha traves de bambu grosso, produto abundante na região. Era dessa forma que a garotada alimentava o sonho de um dia ser jogador de futebol. Mas fora o freqüente futebol, as outras brincadeiras eram sazonais. Tinha o tempo da bolinha de gude, o tempo das pipas, e também tinha a época em que todo mundo se concentrava em jogar botão. Eu sempre gostei de botão. Organizava os torneios, esculpia troféus de madeira, fazia medalhas com tampa de lata de sardinha, e desse jeito agitava a meninada. Foram vários torneios que eu organizei e também ganhei. A mim não bastava ser campeão, queria também a medalha de goleiro menos vazado e, principalmente, a de artilheiro do campeonato.

Todos me respeitavam como jogador de botão. E eu não gostava de dar moleza pra ninguém. Desde o início, me impunha pela presença. Logo descobri que os nomes dos meus jogadores tinham um papel importante para que eu merecesse todo o respeito que me dispensavam. Cada menino montava os seus times. Nós recortávamos nomes e fotografias das revistas e colávamos por detrás dos botões transparentes. Alguns eram de tampa de relógio, os melhores pra fazer a bolinha subir e encobrir os goleiros que eram feitos de caixa de fósforos recheadas com porcas e parafusos que não deixavam a caixinha cair. E o meu time era uma verdadeira seleção que botava medo em todo mundo.

Ficou estabelecido que o Pelé não poderia jogar o nosso campeonato, afinal de contas ele era o Pelé. Mas os demais estavam todos liberados. No meu time jogavam Gérson, Rivelino, Tostão e Jairzinho. Quatro dos principais jogadores da conquista do Tricampeonato Mundial de 1970. Na verdade quem jogava era eu, mas os meus adversários ficavam impressionados com o quarteto, que de quebra era fortalecido pelo César Maluco, Dudu e Ademir da Guia, jogadores do Palmeiras que freqüentemente se revezava na conquista de títulos com o grande Santos de Pelé. Parecia uma bobagem, mas não para aqueles meninos. Toda vez que a coisa ficava feia numa partida, de repente a virada acontecia, e todos achavam que era impossível me vencer enquanto eu estivesse com aquela seleção, ainda que fossem somente nomes e retratinhos recortados das revistas. Porém, aquilo era suficiente pra que todos ficassem impressionados diante do meu esquadrão.

A estratégia era a da intimidação, calcada em cima das minhas bravatas. Tudo não passava de uma bobagem de criança, mas, de fato, surtia efeito. Do mesmo modo que muita gente, que não é nada daquilo que parece ser, mas vai avançando à medida que faz valer o seu marketing pessoal, conquistando espaço com discursos vazios, desprovidos de fundamentos, todavia, com a capacidade de intimidar os que se deixam impressionar.

Laerte Cardoso
Enviado por Laerte Cardoso em 23/06/2010
Código do texto: T2336569
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