DE  UM  TEMPO  JÁ  FORA  DO  TEMPO...

O caçador chegou do mato cansado, sujo e faminto.

Entrou na povoação a pé. O jeep avariara-se algures e por lá ficara. Trazia apenas a caçadeira a tira-colo e o cantil de lona verde-azeitona à cintura (oferta do cantineiro do Casão Militar de Luanda).

A povoação é típica na sua pobreza e sujidade: uma rua apenas de terra batida, seis casas comerciais, três de cada lado dela. Mais atrás, os barracões da lenha e da água quente para os raros banhos, estão infestados de lacraus. Ali também é o lugar onde os serventes ao serviço dos comerciantes, fazem as suas refeições: pirão feito de fuba de mandioca acompanha o conduto de peixe seco guisado com tomate maduro, gindungo bem picante, quiabos e óleo de palma.

As casas comerciais são iguais a todas e de todas as povoações do mato: de um lado a residência, do outro a venda. Há um cheiro sempre presente a fuba de mandioca, peixe seco e vinho barato de barril, que se entranha em tudo. Na venda há também sal, panos de chita para os quimonos das mulheres das sanzalas e óleo de palma dendém (espesso e laranja forte).

O caçador deita um olhar de desdém à sua volta.

Encostada à ombreira da porta da loja central do lado direito, está Maria Silva, solteira, seca e amarga. Veste uma bata de flores encardida e rota num bolso. Os pés descalços e sujos remexem-se nervosamente na terra. Não está habituada a forasteiros e este, que há dias ali passara no seu jeep empoeirado e desdenhara da comida que ela lhe colocara no prato zincado, não é das suas simpatias. Vira-o depois na venda com o irmão dela, o Vidal, aquele inútil preguiçoso, a combinarem qualquer coisa... Candonga de diamantes, era o mais certo.
Ainda se lembra da decepção que tivera quando o irmão mais velho, o seu Moisés, os chamara de Portugal para irem trabalhar numa venda e, chegados a Luanda foram imediatamente para aquela lonjura, isolados de tudo e de todos... Com ela, a mais esperta, foram os irmãos Vidal (alcoólatra) e Carolina (meia atrasada mental). Na aldeia onde viviam com os pais, eram pouco mais que escravos das terras de lavoura.
Quando o seu Moisés (benza-o Deus) entrou para a polícia e casou com aquela palonça da Joana, foi uma alegria pois pelo menos esse libertara-se da miséria. E depois aceitou a colocação em Luanda e prometera mandá-los ir. Só que eles não ficaram em Luanda...

O caçador hesita sobre a que venda se dirigir.
A mulher encostada à ombreira da porta repugna-o. Ela coça uma perna com os dedos do pé da outra. Há uma ferida no sítio que ela raspa (rasq... rasq...)...
Um cão mazelento aventura-se pela estrada em direcção ao caçador que faz menção de o pontapear e foge a ganir.

Ao longe ouve-se o roncar de uma camioneta a subir a serra. Há mais de uma semana que não passa nenhum carro por aquela estrada.
A mulher anima-se e olha em direcção ao som. Os irmãos aproximam-se curiosos.

Chega a camioneta. É a que traz o correio e as encomendas feitas pelos comerciantes. Assim que esteja descarregada, segue viagem.

O caçador consegue transporte para a vila seguinte afastando-se daquela povoação deprimente e esquecida no mato.

Os irmãos voltam à sua rotina...

Beijinhos,




Teresa Lacerda
Enviado por Teresa Lacerda em 23/06/2010
Reeditado em 23/06/2010
Código do texto: T2336038
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.