José
JOSÉ
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 23.06.2010)
Tem o Dunga, esta semana. Um profissional sério como poucos, de qualquer área de atividade, alguém que estabelece princípios, metas e métodos e os segue à risca. Mesmo que tenha de brigar com os que, escudados em imaginários privilégios, tentam boicotar o seu trabalho. Quem acompanhou a Copa do Mundo da Alemanha, em 2006, pela rede de televisão que o contratou como comentarista, não se surpreendeu com a sua indicação ao cargo, baseada no extenso e profundo conhecimento do futebol brasileiro e internacional que demonstrou durante os jogos. Com Dunga, a Seleção luta pelo título até o derradeiro minuto de cada partida como um corpo orgânico confiante: como um selecionado de vôlei dirigido por Bernardinho.
Tem também a Ficha Limpa, esta semana. A Lei que veta a candidatura de políticos condenados por órgãos colegiados do Judiciário, ainda que não seja uma condenação definitiva, já seria um passo fundamental no combate à impunidade generalizada se valesse apenas para as eleições de 2012; foram dois passos à frente ao ficar estabelecido que valerá para este ano; mas foram três passos pela moralidade dos costumes pátrios quando o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que ela se aplica a condenações anteriores à sua promulgação. Os atingidos pelo veto recorrerão ao Supremo Tribunal Federal alegando que a Lei não pode retroagir para prejudicar, somente para beneficiar. Ora, ao retroagir ela exatamente beneficia - a todo o povo brasileiro.
Mas tem também, esta semana, uma perda que dói muito, e que só não é uma perda irreparável porque foi-se o homem mas ficaram seus livros e, além deles, suas ideias. Há mortes que nos afetam de modo especial; no caso de José Saramago, pela lucidez que ele emprestou à civilização. O fato de ter sido claramente ateu e comunista até o derradeiro minuto faz com que o abominem pessoas que nunca leram a sua obra, como se Literatura fosse panfleto político, ideológico ou religioso e com ele pudesse confundir-se. E como se um intelectual não pudesse ter opiniões próprias, divergentes do senso comum. Saramago propõe questões que muitas vezes abalam as certezas pétreas, e isto muita gente não consegue suportar.
A morte de Saramago confirma que a intolerância permeia este outrora esperançoso Século 21 e que o fundamentalismo de cristãos em geral não perde nada para o sectarismo de qualquer outra religião no planeta.
(Amilcar Neves é escritor com sete livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 32 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior)