A CASA DA NOVE DE JULHO

Cada casa em que vivi tem uma história. Ou várias histórias. Da primeira, para onde fui levada assim que nasci, não tenho lembranças, saí de lá aos dois anos. Mas fiquei marcada assim mesmo, foi ali que perdi a ponta do dedo anular no vão de uma porta... E também foi diante dela que por milagre não morri precocemente. Ela fica numa avenida, hoje a mais movimentada da cidade e que já naquele tempo apresentava trânsito relativamente intenso, pois fazia a ligação da velha Rodovia S.Paulo-Rio. E eu, ainda bebê, um dia fugi pelo portão e fui parar do outro lado da calçada, engatinhando... Quando eu estava no primário, lá pelos oito anos, pude entrar nela e ver mais ou menos como era lá dentro. Uma das minhas colegas morava lá, menina morena, baixinha e bem magrinha, a Cidinha. Depois que fui para São Paulo nunca mais a vi. Lembro que o nome de seu pai era Nelson.

Muitos e muitos anos se passaram, voltei a morar em Taubaté. Aos poucos fui reencontrando antigos colegas, gente conhecida e as pessoas falavam de outras, você não lembra? De algumas eu lembrava, de outras não. Um dia apareceu uma mulher alta, bonita e elegante que me abraçou efusivamente.

- Sou filha do Nelson, morei naquela casa da Avenida Nove de Julho, que foi do seu pai...

Fiquei atordoada, ela tinha crescido tanto...

- Cidinha!

- Cristina, ela corrigiu.

- Ué, você não é a Cidinha, que morou naquela casa...

- Eu morei naquela casa, mas não sou a Cidinha.

- Então ela é sua irmã.

- Não tenho irmã...

- Seu pai não é o Nelson?

- É, Nelson Freitas.

- O pai da Cidinha também era Nelson, e eles moraram lá! Não estou entendendo.

- Ah! É o Nelson Meireles!

Pois é. Nelson Meireles e Nelson Freitas também foram moradores da ‘minha casa’ e tinham filhas da minha idade...