" O amor, diz Maria Sara, é a guerra de sítio, cada um de nós cerca o outro e é cercado por ele, queremos deitar abaixo os muros do outro e continuar com os nossos. O AMOR será não haver mais barreiras, o AMOR é o fim do CERCO."
(in História do Cerco de Lisboa, J. Saramago)
O QUARTO DE RAIMUNDO SILVA
Estava vendo fotos de pousadas em Minas e encontrei uma que instantaneamente me trouxe diante dos olhos o quarto do personagem Raimundo Silva do livro História do Cerco de Lisboa de José Saramago. Aonde em um fim de tarde, naquele sobrado da velha Lisboa, finalmente o personagem, revisor de livros, tivera em seus braços a sua chefe na editora aonde trabalhava há anos e cuja conquista lhe rendeu um longo período de muita dedicação, quase nenhuma esperança, paciência, alguma estratégia, desespero até, tudo acontecendo simultaneamente à revisão que fazia de um livro que narrava o cerco da cidade dos mouros pelos portugueses até a capitualção.
Os móveis escuros e sólidos, a roupa de cama branca com uma colcha de algodão pesado, e as mãos dele abrindo com delicadeza os botões da blusa dela em tecido leve e transparente, uma cambraia talvez, não recordo, o sol morrendo no horizonte lançando seus raios oblíquos sobre a cama e uma das cenas de amor mais bonitas que já vi descrita em romance.
Assim é a boa literatura, ela se impregna em nossos sentidos, penetra no âmago de nossa mais escondida carência , preenche solidões, enaltece a beleza e eleva o espírito. A boa literatura nos faz melhores e a morte física de José Saramago é somente um episódio a mais no grande e interminável romance que segue existindo através das obras que nos legou.
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Saramago foi a derradeira voz contra um Portugal oculto na alma que se recusa, ainda hoje, a se desfeudalizar; a tentativa por meio da Literatura em desvendar, mais do que os segredos de Fátima, os apócrifos bolorentos da psique lusitana, ainda arraigada no espírito daquele povo desde muito antes dos esforços do Marquês de Pombal em subtraí-los.
Jorge Luiz da Silva Alves
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O teu depoimento, Jorge, traz luz e enriquece esta tentantiva de registrar com minha lembrança, a existência e legado deste escritor, poeta, verdadeiro patrimônio da humanidade, cuja obra expõe as feridas em sangue e lágrimas mas ao mesmo tempo, como um Tolstoi de Guerra e Paz, as torna suaves aos nossos sentidos, justificadas pela grandeza das almas, um perdão latente em todos os pecados, um sorriso por detrás de um rosto compungido, principalmente e sempre a grandeza nos atos mais insignificantes. Meu depoimento resulta menos de conhecimento e leituras e mais do que minha sensibilidade pôde captar deste ser humano e intelecto que foi José Saramago.
Convido a outros poetas que deixem aqui seu depoimento de leitores , ressaltando que a literatura de Portugal sempre foi a nossa mestra e fazendo uma brincadeira: há quem diga que Eça de Queirós foi muito melhor do que o nosso Machado de Assis.