NO MUNDO DOS PASSARINHOS (E DE GENTE TAMBÉM...)

A manhã clareou. Do poleiro de sua rica gaiola Pingo Dourado via as cenas de sempre: o grande jardim, a piscina, as confortáveis varandas do quintal da belíssima casa onde morava. Agora, lá vinha seu dono. Água fresca, alpiste do melhor. Uma refeição e tanto! Vida pra passarinho nenhum botar defeito. Mas cismava: que vida era aquela? A passarada voejando no jardim, piando, cantando, batendo asas. E ele? Na prisão! Uma prisão linda e bem feita, é verdade. Mas e daí? Tudo tão triste e deprimente!

Pingo não se conformava. Aos pássaros não eram dadas asas? E para que servem asas, senão para voar? E para que serve a liberdade se não se pode ser livre? Vãs, suas lamentações de pássaro-filósofo. Não podia falar. Ah, porque se pudesse gritaria para o universo inteiro: “Pingo Dourado, coisa nenhuma! Eu não tenho nome. Sou apenas um canário. Feito para voar e cantar meu lindo canto... Cortar os ares, viver nas florestas...”

Muito bem! Não podia falar? Então parava de cantar. Isso! Greve de canto! Nada o faria deixar escapar uma notinha só que fosse do seu mavioso cantar. E mais: ia ficar só encolhidinho, penas murchas, bico recolhido, olhinhos cerrados. Seria a tristeza em passarinho. Pingo-pura-tristeza! O dono preocupado. Olhar desolado horas a fio diante do bichinho tão jururu. Tocava-o com a ponta dos dedos. Tentava reanimá-lo. Tudo inútil. Olhos rasos d’água, o dono deu o veredicto final “Entristeceu demais, vou soltá-lo”. Num clique seco a portinha da gaiola se abriu. Pingo ensaiou, bateu asas timidamente. Fez novo esforço e... Alçou o primeiro voo para a liberdade.

Que emoção! O vento frio nas plumagens! Delícia de liberdade! Súbito, ficou tonto, ficou fraco. A amplidão do espaço o assustava. Meu Deus! Era mundo demais, tudo aberto, tudo solto! Quis parar um pouquinho no ar. Só até entender aquela novidade toda. Pousou num muro. Espiou lá embaixo. Ui! O que era aquilo? Dois terríveis olhos verdes o espreitavam. Perigo! O inimigo que lhe rondava a gaiola! E agora? Não tinha dúvidas: ia morrer! Estremeceu. O coraçãozinho disparou. Apavorado descobriu: não sabia o que fazer. As penas arrepiadas! Medo! Medo! Medo! Tudo acabado? Não, não! Num último impulso bateu asas. Desesperado, tomou o caminho de volta. Ufa! De novo o antigo quintal! O dono ainda estava lá. No chão, a gaiola dourada. Derrotado, o canário pousou suavemente. O dono emocionou-se “Pingo Dourado! Não pôde com a saudade!”

Mas Pingo não ouviu nada do que o dono disse. Escutou apenas o clique seco da portinha de sua prisão se fechando. Impregnado do fugaz sabor da liberdade, mas dominado pelo pavor de que jamais saberia ser livre, entoou a melodia mais triste do mundo...

Com gente também costuma ser assim... Ou, não?

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É, Marina, a coisa é feia, menina

O confôrto é mais que a liberdade

Mas,a violência nos domina

Em casa,no campo e cidade

Pingo tinha seus predador

Preso,sempre teve o seu senhor

Que triste e pura realidade!

(Pedrinho Goltara)

(Sempre uma alegria seu carinho, Goltara!)