MINHA RUA

Sou daquele tipo que não gosta muito de recordar o passado. Até porque dizem que são os velhos que vivem lembrando do ontem. Eu, apesar da quilometragem está um tanto avançada, me considero jovem. Gosto de falar do presente e sonhar com um futuro promissor. Mas, foi lendo um texto do paranaense Gomes Teixeira que resolvi plagiar o grande escritor e falar também da minha rua e da minha infância. Pronto! Quebrei mais um paradigma. Afinal dizem que recordar é viver. E eu tenho boas lembranças de meus tempos de criança e de minha juventude.

Pois bem, passei minha infância e parte da adolescência morando numa rua chamada Dr. Francisco Correia. A casa era em parte moderna para época. Fachada colorida, com janelas de vidraça, os quartos todos no taco, banheiro com azulejo e a sala de jantar e a cozinha tinham o piso de mosaico estampado. Ainda hoje tenho em mente a linda rosácea que fazia pena pisar. O mosaico e o poço redondo e alto que ficava numa área cimentada logo após a cozinha quebravam o estilo moderno da pequenina casa.

Nossa moradia era mais que uma casa, era um lar doce lar. Em frente residia uma senhora elegante, bonita, de olhos azuis, de família tradicional da cidade “expert” na culinária. Fazia quitutes gostosíssimos, caprichando na manteiga, muitos ovos, creme de leite e tudo que contribui para ficar delicioso. Se a gente pedia para diminuir nos ingredientes ela dizia “economia é base da porcaria”.

Tínhamos também uma vizinha lourinha que era muito positiva. Não levava desafora para a casa e sempre estava a se dispor com as meninas da rua. Lembro de grande auê que ela aprontou ao colocar no móvel empoeirado da casa de D. Suely a palavra “porca”.

Na nossa rua tinha médico e doutor advogado. Coisa rara naquela época que não existia nem faculdade na cidade. O advogado homem culto, amante da leitura, escutava todo dia “a voz da América transmitida diretamente do Washington para o Brasil”. A sua irmã que morava na capital sempre vinha passar férias com ele. Não largava um livrinho de palavra-cruzada das mãos e se soltava era em troca de um livro. Lembro que ela me incentivava muito para ler bons autores. Todos às vezes que me via perguntava: Você já leu “A Cabana do Pai Tomás”? Para ser sincera eu até hoje ainda não o li apesar de ter adquirido o hábito da leitura.

Na esquina da nossa rua morava um grande comerciante, que sabia muito fazer contas e negociar, mas dizem que mal escrevia o nome. Não querendo para suas filhas a sua sina, colocava-as para estudar no melhor colégio da cidade e em aulas de piano e acordeom. Foi com uma delas que aprendi a tocar no piano “Parabéns para você “ e no acordeom a música “Cai, cai, balão”. No violão eu dedilhei muito mal “Que beijinho doce”, mas quem me ensinou o violão foram às moças do sobrado. Elas tinham um irmão moreno dos olhos verdes muito bonito mesmo, mas não gosto de lembrar da carreira que ele me deu com um embuá dentro de uma caixa de fósforos. Ainda hoje tenho horror aquele bicho cheio de pernas.

Na outra esquina tínhamos a melhor padaria da cidade que ainda hoje está no mesmo lugar, porém bastante reduzida e pertencente a novos donos, pois os seus primeiros proprietários mudaram-se para outro estado.

Nessa rua tinha de tudo, até uma farmácia de homeopatia. Pessoas faziam fila para adquirirem remédios indicados por um senhor baixinho que fumava charuto e era amante da bebida e da música. Nos finais de semana fazia roda de salsa, merengue, rumba e o bongô era o instrumento mais presente tocado pelos seus filhos.

As recordações são muitas. Jogávamos voleibol na rua. Rende estendida de uma árvore para um poste. Os homens jogavam futebol. Tinham um time chamado “América” que nunca ganhava campeonato porque seu treino era precário, não treinavam no campo e sim no meio de nossa rua. Quando mais criancinhas brincávamos de roda, da mancha, da berlinda, de bom barquinho e de amarelinha.

Para finalizar tantas recordações eu quero contar um caso engraçado. Ainda hoje tudo que aprendo gosto de repassar para os outros. No dia que aprendi manusear o computador dei um curso para as pessoas da melhor idade e no dia que aprendi a ler e escrever entre 7 a 8 aninhos eu fiz uns bloquinhos de papel colado com grude e convidei as domésticas de minha rua para assistir aulas comigo. O mais interessante era o local da aula. Todos sentados no chão em baixo de um poste. Ali eu ensinava o alfabeto, formar sílabas e ler palavras simples. Para alegria minha faz uns dois anos que encontrei uma dessas minhas alunas no salão de beleza. Ela cresceu, estudou hoje é professora. Fiquei feliz também pelo seu depoimento diante de todos que estavam naquele ambiente. Apontando para minha pessoa disse: Foi com ela que aprendi o alfabeto, a ler e escrever. Existe melhor alegria que essa?!!

Minha rua, minha rua. Tantas recordações. Não acabaram por aqui. Outro dia relatarei mais outras lindas lembranças.

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 21/06/2010
Reeditado em 29/04/2020
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