Burro velho não prende a língua...
"Por mais rédea solta que eu dê às minhas palavras, elas, como burras teimosas, nunca se afastam muito do que eu não quero dizer..."
O meu relógio biopoético andava a atrasar-se. Ainda temi que fosse caso de insuficiência anímica mas não, não!, fui a ver e era falta de corda...
Vamos a isto, bora lá: desenforquei a pena, recolocando-lhe chão por baixo, feito de papel barato, e dei corda às palavras, assim como quem se está nas tintas para o tempo.
E foi um ver se t'avias: as palavras, cheias de estômago vazio, atropelaram-se todas no semáforo verde, pois, cegas pela daltonia de prolongado silêncio, julgaram-no laranjaapassaravermelho. Eu, que ia a atravessar a rua no fio da navalha, escapei ilesa, vá lá, só mais esta vez...
Mas dizia eu que o atrasamento das palavras nunca é de fiar. E quando dei conta, depois de não ser atropelada, fui apanhada e levada pelas pontas dos dedos, até ao limiar dum buraco de insanidade pública. Consegui ter-me-que-não-caio e lá continuámos nós, eu e as palavras.
Atravessámos moinhos a golpes de estado crítico, ousámos viagens pelas veias artística do verbo encarnado, furámos redes de tráfego verde de raiva, cortámos a direito as esquinas do arco da velha e molhámo-nos na chuva de estrelas da via de leitura interna. Foi tudo à frente e às claras, mas claro, velado por cera nos ouvidos, desagregamento de prioridades e inconsequentes acções de pecado... de bolso.
Por este andar, ainda nos matamos... Ai, eu e as minhas palavras! Para que lhes dou corda!?...
Para a próxima dou-lhes antes linha... quando o combóio for a passar.
Ou linho, para ter no que me fiar...