A DESGRAÇA DAS DROGAS
Quisera dever – e quisera poder – nem tocar em assuntos deprimentes, tão na ordem do dia, em todos os meios de comunicação, programas policiais e noticiosos deste País e do mundo inteiro. Guerras, invasões a territórios, misérias, crimes hediondos, catástrofes, acidentes ecológicos... Por necessidades endógenas e exógenas, no entanto, sou forçado a falar de algo extremamente chato e que preocupa a razão humana, em todos os quadrantes do planeta Terra: o caso da proliferação das drogas.
Há poucos dias, num popular e muito badalado programa televisivo* da minha província, vi um fato chocante e degradante, que me pôs deveras comovido. Imaginem que até a repórter que registrava a matéria jornalística e a apresentadora, no estúdio do canal, entalaram a voz, no decorrer da reportagem. A experiente apresentadora não suportou a emoção, chegando, mesmo, além de embasbacar-se com a voz, deixar que lhe fluíssem rios de lágrimas dos olhos.
Sem muito floreio, vou direto ao caso, uma tragédia das centenas que ocorrem diariamente neste Brasil de altos e baixos, onde os contrastes e misérias se avolumam, embora saibamos que o fenômeno da desgraça das drogas tem foros de tamanho universal. Pois a manchete do programa policial dizia assim: MÃE AMARRA FILHA VICIADA. Vocês querem que se anuncie tragicidade maior? Isto aconteceu, e eu vi tudo na janelinha da tevê.
Nem fiz questão de saber os nomes das partes envolvidas. Uma jovem de 15 anos, mãe de uma filha de um ano e sete meses, acamada e amarradas pernas e mãos, pela senhora mãe dela. E tudo por conta das drogas. Separada do marido, que também era viciado, a senhorinha em quem eu me fiz enxergar uma pessoa digna, sofredora e batalhadora, ficara com quatro filhos para criar, sendo que a mais velha era justo a “mina” que se drogava desde os doze anos.
A senhora dizia em tom patético à repórter, esta já com a voz côncava e embargada: “Não sei mais o que fazer!” E justificava a razão pela qual amarrara a filha, aquela desventurada quase menina e já mãe de uma implume criancinha de menos de dois anos. Sozinha e com quatro filhos para criar, a mulher teria que trabalhar a qualquer custo, sem poder dar as devidas atenções aos seus rebentos, ficando sua primogênita à mercê das más companhias do bairro, até conceber um nenê sem pai definido.
Num quarto que se apertava entre paredes sem reboco, num primeiro andar da casinhola, a moça estava toda envolta num lençol – o lençol era uma redinha enxadrezada – e, à pergunta da repórter se ela queria um internamento, apenas se ouviu um único e magro “sim”. Um magro “sim”, como aquela própria desventurada criatura, que, pelas fotos vistas e atestadas pela repórter, fora uma menina de aspecto muito lindo e saudável.
Ah, mas hoje, não!... Agora a menina estava lá, estendida numa caminha, atados os pés e as mãos. E, pasmem todos, aprisionada pela própria mãe, a senhora digna que não sabia mais o que iria fazer com a filha, vez que a sua guria estava sendo ameaçada de morte por conta de uma dívida contraída com as drogas.
Com o mau exemplo do pai, quando ainda em casa, e pai que era viciado em drogas, ela começou a fumar cigarrinhos de tabaco, aparentemente “inofensivos”. Depois emigrou para a maconha e finalmente foi parar na miséria do c r a c k, este jogo de tanto azar dos nossos dias atuais.
Perguntada pela repórter a que a senhora, mãe da menina dependente de drogas, atribuía aquele estado de coisas em que se encontrava a filha, ela não vacilou e fuzilou uma acusação que procede: “As más companhias! Mas eu tenho que trabalhar para sustentar meus quatro filhos e não sei mais o que vou fazer.”
Sempre valorizei e cito a dois por quatro um anexim, aquele famoso provérbio popular que assevera o seguinte, muito taxativamente: “Dize com quem andas e dir-te-ei quem és”. Também gosto deste outro dito, muito afim com o primeiro: “Antes só do que mal acompanhado”.
No dia seguinte ao da reportagem, uma luz no fim do túnel, com feições de “final feliz”. A mesma repórter, acompanhada de uma emissária do Conselho Tutelar, vai à casinhola infelicitada da favela e anuncia que arranjaram o internamento da “mina” numa casa de recuperação, ao que me parece, dirigida por evangélicos. A todas as igrejas, seitas, entidades e religiões que se incumbem desse meritório feito de recuperar dependentes químicos, ou de quaisquer tipos de ajuda ao próximo, eu tiro e sugiro que todos nós lhes tiremos o chapéu.
“Bem razão tem quem diz e bem o cremos / Que o bem que nos faz bem-aventurados / É o bem que a gente faz sem ver a quem.”
Fort., 21/06/2010.
_ _ _ _ _ _ _
(*) O programa policial chama-se “Barra Pesada” e faz anos que é levado ao ar pelo TV Jangadeiro, em Fortaleza.