“Eu preciso que você fique aqui, tenho que dar uma saidinha”, falou já saindo. Não deu nem tempo de perguntar onde ele ia. Bom, fosse onde fosse, não podia ser boa coisa. Ninguém que tenha um itinerário normal diria vou dar uma saidinha. Vou ao banco, vou ao bar, vou ali na esquina, enfim, tudo, menos dar uma saidinha. Isso é coisa de homem que não tem o que fazer, então, vai procurar. Deus sabe lá onde! Também, às vezes nem precisa procurar, já está achado e muito bem registrado, com endereço e hora certa.
Mulher é bicho bobo, mesmo. Depois de vinte e cinco anos de casamento, certas coisas ficam evidentes. Mas, mesmo assim a gente não vê. Aliás não vê muitas outras coisas mais, né? Vestido novo, por exemplo. O sujeito faz logo cara feia: “seu armário está entulhado de roupa e você quer mais?” Pronto, o banho é de gelo. Esfria até alma. Perfume? “Ê, toda perfumada! Vai tirar retrato, vai?”. Que ódio! Mas, na hora da saidinha, é esse fica aí seco, sem a menor cerimônia. Podia perguntar: Você pode ficar aqui pois eu preciso...?. Mulher tem que poder tudo. A qualquer momento: trazer a cerveja na hora do jogo, tirar a toalha molhada de cima da cama e levar para secar, guardar os chinelos, pendurar de novo a camisa de que não gostou. Vai por aí. Tem horas que eu me pergunto, por quê? Por quê?
Ah, melhor é nem ligar. Melhor é ficar e quando o digníssimo chegar, nem comentar. Não porque ser indiferente vai resultar em alguma coisa. Dizem que a indiferença dói mais do que cara feia. Dói nada! Aliás, é isso exatamente que ele espera: que a gente jamais pergunte onde ele foi. E se a gente pergunta, duas respostas são infalíveis: “Fui ali” e acabou o papo. Ou então, sai aquele “hein?”, de quem não entendeu nadinha da pergunta. Fosse eu dizer, faça o almoço aí que vou dar uma saidinha. Pensando bem, qualquer dia vou até experimentar fazer isso.
Problema é que a gente costuma dar aquelas levantadinhas de ombro e não ligar. Dá uma mexidinha na manga desse vestido, uma cortadinha na saia daquele e vai levando. Aqueles estojos maravilhosos de pintura, já passou a coisa de herança, né? A filha usa e a gente dá aquela roubadinha vez em quando. Só não me conformo com o salto alto. Há vinte e cinco anos que não sei o que é um salto alto. Que saudade de um belo stiletto! E eu que adorava! Salto alto? Só se eu desse aquela saidinha, porque com ele, “Deus me livre sair com mulher mais alta do que eu!”. Dá para discutir não...