O Esquema
Quem dá o direito à Igreja, ao Vaticano ou ao que quer que seja de criticar um escritor, de forma ao que tudo indica negativa ou mesmo pejorativa, chamando-o de “populista ou extremista”? É a lua, o mar, o ar ou o conteúdo divino em tudo isso ou no que nos cerca?
Será porque o escritor é sincero na sua forma de pensar, decidindo mostrar a quem o lê o que verdadeiramente sente? Estando certamente aí a razão da aceitação de sua obra ? Num demonstração mais do que contundente de quem nem sempre a mentira triunfa?
Se ele fosse um escritor fervoroso em sua religiosidade, católica, de preferência, como muitos bons escritores que conhecemos, seria merecedor dos aplausos eclesiásticos. Mas se em qualquer momento um autor ousar contrariar, ou mesmo colocar sob discussão, aquilo que diz a Igreja, ela fará o que for preciso para que o seu reconhecimento seja questionado. Ainda que ele seja merecedor de algumas honrarias consideradas universais.
Entendo que “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, do sublime e aplaudido escritor José Saramago, o coloca na circunstância de ter o seu valor depreciado pelos que falam pela Igreja. Que possivelmente conhecem o conteúdo de toda a sua obra muito melhor que nós. Mas isso não é novidade. Galileu e Joana D’Arc, para ficarmos com os exemplos talvez mais flagrantes, também foram vítimas da intolerância religiosa. Que não admite que o leigo possa oferecer uma solução de efeito mais eficaz, se não for de melhor entendimento, para os problemas que passam a fazer parte da vida do homem desde o seu nascimento.
Há um paralelo inequívoco entre os religiosos, quaisquer que sejam seus matizes, e as autoridades que elegemos. Que passam a decretar as normas que devemos seguir ou o que devemos fazer para vivermos melhor ou alcançarmos a felicidade. Como se tudo resultasse de um esquema que já estivesse pronto e acabado há muito tempo. Que não tivesse sofrido quaisquer ajustes ao longo dos séculos. Um esquema que fosse imune à toda e qualquer contestação. Sobretudo um esquema que ironicamente acaba sempre favorecendo o pequeno grupo de pessoas que se acha no direito de dirigir as ações de um grupo infinitamente maior. Sendo irrelevante as conclusões a que possam chegar alguns na multidão. A multidão deve ouvir, seguir e calar, não lhe cabendo alterar uma obra cujo autor, antes de deter alguma prerrogativa divina, cada vez mais se parece com um de seus semelhantes.