"Amigos" virtuais
 
Zé Caparica
 
A pior desgraça que pode acontecer na vida da gente, segundo consta nos “manuais”, é um amigo virtual virar real. Claro que deve haver exceções e que muita gente pode ter muitos amigos que tirou da internet e colocou dento de casa, mas os casos que eu tenho ouvido são de arrepiar os cabelinhos. Primeiro, sejamos sinceros, amigos virtuais não existe. São como dinheiro virtual. É uma representação de amigo. Como é só uma encenação via internet, acabam até convencendo o outro, e a si mesmo, de que se trata de uma real amizade.
Eu fico imaginando uma pessoa teclando com duas ou mais pessoas no MSN, e uma delas é uma amiga virtual altamente desiludida e precisando de um conforto, um consolo, enquanto a(s) outra(s) pessoas querem marcar para agitar uma balada “mutcho lôca” que vai rolar no dia. Aí passa pra uma e diz: “Pois é amiga, que triste...”. Corta para a outra: “E quem mais vai? O Thiaguinho???”. Corta para a terceira: “Kaaaaara, Thiaguinho vai!!! Ele n eh fofucho???” (eles escrevem tudo em internetês e eu desconheço esse idioma. Sou um dinossauro e, nesse caso, graças a Deus). Daí volta para a primeira: “Puxa amiga, que maus, queria estar aí para te ouvir...” (mentirosa de dar dó).
Quando chega a noite, a grande amiga desaparece da internet e aparece na balada. Lá até encontra com as amigas, mas que são virtuais até na balada. Se cumprimentam, fazem cena, mas se perguntar o nome da mãe da outra ninguém sabe. No mais das vezes muitas são colegas de escola que se sabem mais na internet que no colégio. Não existe um relacionamento. Existe uma comunicação. Como essas pessoas adolescentes já nasceram assim e não sabem o que é amizade, acabam por achar normal.
Mas o tema é outro. Trata-se de adultos que agem do mesmo jeito. Pela internet te tratam da mesma forma, com carinho, amor, devoção, ternura, etc, mas não te dão nada além do e-mail. Nem telefone, nem endereço, e nem convite para visitar, por mais longa e “íntima” que seja a amizade. Gostam mesmo é de teclar no MSN ou, no máximo, contar um caso mais longo pelo e-mail. E, quer saber? Estão muito certos. A internet é um mundo e a vida real é outro mundo.
Normalmente, na vida real, as pessoas não conversam por MSN ou usam e-mail. Pegam o telefone e dizem o que querem, marcam encontros, se beijam, se visitam, sabem seus limites, etc. Esse é um grande defeito das amizades virtuais. Elas não têm limites. Podem fazer ou falar o que quiserem que não há constrangimento. A pessoa dá uma desculpa qualquer e desliga o PC. Não é tão simples assim na vida real. E, ao contrário do mundo virtual, o carinho é real e, mesmo contrariada, se tenta colocar panos quentes fazer as pazes, etc.
Há, todavia, um grupo de pessoas que nunca entenderam essas diferenças e acabam, seja por carência ou falta de amigos reais, querendo tornar amigos virtuais uma realidade, convidando até para passarem uns dias em suas casas. Como “uns dias” não define quantos dias são, o convidado é que define quantos dias ele quer ficar. Dependendo da distância ela pode achar que uma semana está bom. E, mais que isso, como é seu amigo virtual há tanto tempo, a intimidade é o básico. Abrem sua geladeira, se servem, largam o prato na pia, usam seu celular sem pedir, deitam no sofá sem tirar os sapatos, ficam donos do controle remoto, ou seja, tudo como se estivessem nas casas deles. Porque amigos reais agem assim ou, ao menos, na cidade e na cultura em que vivem. Isso a internet não capta. Amigos virtuais não têm esses defeitos. Amigos virtuais nem peidam. Só dá para conferir a higiene de amigos reais.
Eu sou um dos pioneiros em internet no Brasil. No começo fiz algumas amizades que já ultrapassam 15 anos, e que duram muito. Nos encontramos, conversamos, etc, mas sempre cada um em suas casas. No começo, quando ainda confiávamos mais nessas amizades virtuais, ainda chegávamos a almoçar juntos ou coisa similar, mas jamais invadíamos a intimidade da casa de cada um. Hoje poucos de nós, os pioneiros, querem correr o risco, mas muitos dos novatos, talvez por extrema carência, acabam aceitando ou mesmo convidando tais figuras. Se não for por amor é fria. Porque, “por amor”, perdoa-se tudo, ou enxerga-se nada. Mas uma pessoa que você imaginava ser igual a você seja homem ou mulher, e se comporta exatamente ao contrário, não dá pra engolir.
A internet mudou radicalmente nossa maneira de ver o mundo e de conhecer e lidar com as pessoas. Mas não alterou em nada a maneira natural e real de como as pessoas são criadas e da educação que recebem. Ninguém pergunta pela internet: “Você foi bem educada?”, “Você sabe até onde vai a sua liberdade?”. Parece brincadeira, mas parece que está chegando a hora de se certificar a cada vez que a “amizade virtual” for crescendo e tomando vulto. Para que, na eventualidade de um encontro, não acabarmos encontrando com uma pessoa que jamais poríamos em nossas vidas. Nem pra serem criados.


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