CRUZ CREDO! PÉ DE PATO MANGALÔ!
 
A grande porta de madeira à minha frente não dava propriamente para a casa, mas, sim, era a entrada para a área contígua a ela. Procurei pela campainha ou algo para me anunciar. Debalde. Então bati. Segundos depois...
--- Oi!
--- Bom dia! --- Cumprimentei a moça que apareceu.
--- Bom dia!
--- Quero falar com a Lívia. --- Foi o nome que me ocorreu. Era tanta gente e havia passado tanto tempo.
--- Tia Lívia?
--- É, a Lívia.
--- Tia Lívia morreu há tempos, moço!
--- A Lívia?
--- É. A tia Lívia morreu meses antes da vovó.
--- Sua vó eu sabia... fui no enterro.
--- E não falaram pro Sr.?
--- Não... não fiquei sabendo de nada.
--- Pois é, foi bem antes da vovó.
--- Mas, e o resto do pessoal... O Lima, o Jair, a Bela, as outras meninas...
Aos poucos, as feições, os nomes, foram clareando.
--- Graças a Deus todos estão bem. Agora, o tio Rildo eu não sei se o Sr. soube.
--- O quê tem ele?
--- O tio Rildo? Ele também faleceu!  Poucos dias após a vovó...
--- Olha, tenho vaga lembrança de alguém me dizer sobre ele. Não pensei fosse tão grave.
--- Esperou só a mãe partir.
--- Preciso avisar o Lucas... ele sempre pergunta por ele, sabe.
Após breve silêncio os dois se entreolham.
--- Qual é mesmo o seu nome?... Eu lembro um pouco do Sr.
--- Nós fomos vizinhos na Meia Ponte... você era muito pequena.
--- Pequena ainda sou, --- sorriu --- só que um pouco mais velha agora.
--- Nem tanto, imagina!
--- Vamos entrar, o Sr. fica mais à vontade.
--- Não, obrigado. Outra hora... eu vim mesmo foi pra falar com o Tadeu.
--- Tio Tadeu?...
--- Sim, mas pelo visto ele não está na casa dele, por isso vim até aqui... me informaram.
--- Mas o tio Tadeu...
--- Pelo amor de Deus! Não me diga que...
--- Não! Ele mudou... tá no Setor do Sol.
--- Ufa! Você me assustou!
--- Posso pegar o endereço e o telefone dele --- ofereceu-se.
--- Faça o favor.
A moça se afasta deixando-me entregue às recordações amigáveis na família que não via há anos.
--- Aqui! ... o Sr. chegou a conhecer o Altair?
--- Altair? ... Altair não é o filho da Isaura?
--- Não! Era o marido da tia Chiquinha.
Ante o meu silêncio completou:
--- ... Ele também morreu! Todos esperavam que ela fosse primeiro e deu no que deu... mas, vamos entrar!
 Notei-lhe certa impaciência.
--- Não! Não!... tenho de ir... preciso falar com o seu tio ainda hoje. Obrigado pela atenção.
--- Não há de quê.
Podia ter entrado, perguntado por mais alguém conhecido, o Alberto, por exemplo, mas, prudente, achei melhor nem perguntar. Não quis correr o risco de ouvir o necrológio de um amigo.
Àquela porta --- na minha despedida --- bem merecia que eu lhe aplicasse mais três pancadas em sua madeira. Não fi-lo, agora é tarde. Deixa pra lá.