HONESTIDADE A QUALQUER CUSTO

Ninguém gosta de chantagem. Principalmente se for uma chantagem anônima. Se você for uma pessoa correta então, nem se fala! E chantagem que envolva sua decência, pior ainda!

O Adonias trabalhava numa repartição pública, e era um homem dedicado ao seu trabalho. Sei lá o que ele realmente fazia. Talvez fosse fiscal de alguma coisa, ou emitisse dossiês sobre algo ligado a prefeitura, enfim... nem mesmo o Adonias sabia muito bem, porque já estava tão acostumado a isso que era quase automático.

Certa feita, começou a receber cartas anônimas ameaçando-o. Nada que prometesse comprometer a sua integridade física, mas sua moral de homem trabalhador e correto. Todos sabem, hoje em dia é muito fácil comprar um dossiê numa repartição pública, ou forjar um carimbo, aprovar alguma barbárie em nome de uns trocados, mas o Adonias nunca faria isso. Nunca aceitou suborno, mas desta vez isso irritou alguém muito importante.

Um pé de chinelos nunca iria perder tempo ameaçando o Adonias. Chantagem é coisa séria, e pelo conteúdo das cartas Adonias sabia que alguém ali mesmo da repartição e que o conhecia estava mancomunado neste complô. Só podia, afinal as cartas diziam, entre outras coisas: ‘Conheço teus horários... vou escrever no mural tudo de mais infame sobre sua vida... te prepara Adonias... rasga os laudos do Inmetro, senão ... tem muita grana nisso... pega a tua parte e fecha o bico !!’

A honestidade não o deixava fazer uma atrocidade destas.

A cartas continuaram por alguns dias, e na véspera do prazo final do relatório que o Adonias entregaria sobre o nível de poluição da água numa empresa de abastecimento, recebeu um ultimato: ‘Ou você entra nesse barco com agente ou a verdade vem a tona, Adonias...!’

Adonias ergue os olhinhos, alguns olham em sua direção, outros nem tanto. Ninguém efetivamente parece suspeito. Mas, alguém que está ali tem envolvimento.

Cansado de ameaças, Adonias resolve, naquela tarde radicalizar. Entra na repartição com uma faixa dessas de vestibular na mão, enrolada. Calmamente apanha uma escadinha e começa a desenrolar a faixa, pregando uma ponta e depois a outra num lugar bem visível, com os dizeres:

“É pior um chantagista covarde do que um chifrudo corajoso!”

Voltou para a sua mesa, triunfante.

Nunca mais recebeu cartinhas com ameaças.

'Nunca se sabe quando podemos levar uma chifrada', pensavam todos.

Martins Filho
Enviado por Martins Filho em 09/06/2005
Código do texto: T23309