Haikai ou pesadelo?

Partindo do nordeste do Brasil, foi trabalhar no Japão. Admirador que é, da cultura nipônica, matriculou-se num curso de haikai clássico.

A mestra, Sra. Shibata, mulher vaidosa, sorriso maroto, austera e inflexível, budista convicta, oriunda de secular e tradicional familia nipônica.

Primeiro dia de aula e a Sra. Shibata logo lhe atribui um nome oriental, não japonês, como de praxe para alunos estrangeiros. Início da aula. Explicações, conceitos, exemplos, tarefa prá casa.

Segunda aula, e o Kai Mao entusiasmado apresenta a mestra o suposto Haikai que criou, motivado pelas saudades da terra natal:

Flor de dendê

Aroma no ar

Lágrimas nos olhos

Um grito!

— KAI MAO, isto não é um haikai, é receita de acarajé, e com

pimenta, além disso é inverno e não verão da Bahia!

E desceu-lhe o hoippu*! Foram cinco, mais sete e mais cinco "hoippuadas".

Mais gritos, broncas, explicações, conceitos, exemplos. Tarefa prá casa.

Terceira aula, chega Kai Mao atrasado, motivado pelo receio. Encoraja-se e entrega a Sra. Shibata a tarefa de casa:

Flocos brancos

Terra húmida

Tristeza no coração

Grito!

— KAI MAO, isto não é um haikai, é um poodle de madame fazendo xixi no jardim bem-cuidado!

Mais gritos e o hoippu desceu novamente! Assustado, Kai Mao pede desculpas e começa a argumentar, temendo novas "hoippuadas".

— Sra. Shibata, estamos em pleno século XXI, o mundo globalizado, os americanos tomando vodka russa, chineses comendo Big Mac, os generais brasileiros fumando charutos cubanos e, além do mais os japoneses patentearam o nosso cupuaçu na surdina. Não dá prá pegar mais leve? Quero apenas escrever o que percebo e sinto à minha maneira, não posso? Revoltada, responde a mestra que não perdoa, aos gritos.

— NÃO! A nossa cultura é rígida e milenar, com conceitos próprios, não é cultura brasileira, miscigenada e popular.

E tome "hoippuada"!

Não deu outra! Kai Mao decide abandonar o curso e voltar para o Brasil, sob os protestos da Sra. Shibata, que insiste em dizer que ele tem que aprender a qualquer custo os verdadeiros haikais, e irá até o fim do mundo ensina-lo.

Assustado, Kai Mao decide ir morar no sul, e tentando curar-se do trauma dirige-se até um curso de Haikai, onde é recebido por uma simpática senhora, que num gesto repentino arranca uma máscara que lhe cobria o rosto, e eis que surge a Sra. Shibata, com o seu característico sorriso maroto.

Num salto, Severino desperta, saindo do terrível pesadelo. Nunca havia deixado o seu querido Brasil!

*hoippu: chicote em japonês