Ler Saramago ou não ler?

Não gosto de Saramago. E odeio não gostar de Saramago. Entendam-me. O autor Nobel é chato. Chato? Sim, ele revela-nos o que não queremos que venha a luz. Ele cava fundo a alma do ser humano. Ele se opõe aos maniqueísmos de uma sociedade galgada em purulentas mentiras. Ora enraizadas na essência humana, ora emanadas dos porões de uma igreja secular que há tempos impede a evolução da humanidade em uma sociedade mais pura de superstições e misticismos oportunistas. Não, não sou contra a igreja, só falo pela libertação de amarras seculares.

Mas não desviemos do assunto: Saramago. Li a crônica publicada na última edição sobre a decepção do cronista com o autor. Saramago causa isso. E resolvi discordar do seu ponto de vista. Respeitosamente, é claro.

Primeiro Saramago não questiona a Bíblia. Ele a revela. Não uma revelação hipócrita, mas o que de fato é. Um livro quase perverso. Não penso que seja de hoje que o velho escritor resolveu voltar-se contra o “grandioso livro”, pois há tempos que ele ergue a bandeira do ateísmo. Seu “Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de 1991 ainda hoje causa calorosas discussões e de fato é o único que pode despertar um agravo a cristãos mais efervescentes. Mas não é apenas contra as religiões que ele se volta. Em “O ensaio sobre a cegueira” de 1995, Saramago volta-se contra a condição humana tornando o homem em animal selvagem quando as condições o permite.

O escritor, que já brincou com a morte em seu “As intermitências da morte”, em 2005 agora em Caim chama atenção por retratar todo este universo de crueldade de um mundo com um deus vingativo, temperamental e cruel. Se o livro é bom ou ruim? Não sei. Ainda não o li. Mas está na minha lista para a Feira do Livro, (de nossa cidade?!). Sei de Saramago que de forma irônica vem há tempos pintando a literatura com textos críticos e se voltando contra toda forma de opressão da humanidade: seja social, religiosa ou política.

Gostar ou não gostar de Saramago. Ler ou não ler Saramago são questões que nos despertam para a liberdade que o ser humano exige em gritar sua.

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( Crônica publicada no Jornal Primeira Hora, em 06/11/2009