Limeira

LIMEIRA

Cheguei à casa do trabalho numa sexta-feira à tarde. Vinha subindo a rua com o material dos meus alunos para corrigir no domingo. Mal pisei a calçada, meu irmão disse: “Seu sobrinho nasceu”. Passei voando pelo portão com minha bolsa tiracolo girando no ar (ou seria pasta tipo 007 ou mochila. A memória às vezes nos trai). Parecia o Menino Maluquinho, do Ziraldo, vindo da escola. Joguei o material em cima do sofá e liguei para a empresa de ônibus. Era por volta das dezoito horas. Perguntei se havia passagem para São Paulo saindo de Niterói à meia-noite. Havia. Fiz a reserva. Arrumei a mala (na realidade uma bolsa de nylon preta com zíper) onde cabiam algumas poucas peças de roupa, um par de chinelos e o material dos alunos. Mal consegui jantar. Meu pai ainda era vivo e parecia não entender aquele corre-corre meu. Ele ouvia pouco e ainda por cima eu tenho a mania horrível, por vezes mal educada até, de falar andando (coisa de quem confia na intimidade do lar e dos amigos). Imagine o quadro. Meu velho atrás de mim perguntando porque eu estava tão alvoroçado e eu, com uma dicção comprometida pela emoção de ser tio pela segunda vez, explicava e ele não entendia nada dada a sua quase surdez. Na realidade, ele queria me dizer do seu neto que nascera. Coitado! Tive um estalo e entendi. Parei para ouvi-lo dizer do que já sabia. Agora sim ele entendeu o porquê da correria toda. Perguntou se eu tinha dinheiro. Disse para ele que sim e que também estava com cartão de crédito. Pra falar a verdade, nem conferi meu saldo no banco e nem vi se havia saldo no cartão de crédito. Só pensava em chegar a Engenheiro Coelho (onde fica a UNASP – Universidade Adventista de São Paulo, Campus II – então residência da minha irmã enquanto meu cunhado cursava Teologia). Não cabia em mim de vontade de conhecer meu segundo sobrinho e primeiro filho da minha única irmã.

Retirei os bilhetes de ida e de volta no guichê e fui direto para a sala de espera da empresa. Nunca vi um ônibus demorar tanto. De avião seria impossível. A viagem aérea duraria apenas cerca de cinquenta minutos. Teria, portanto, de dormir na capital paulista e rumar ao interior pela manhã. Não adiantaria nada a velocidade do avião. Fui de ônibus bastante confortável em cinco horas e meia de uma viagem com serviço de bordo (e sala VIP na Rodoviária). Aproveitei para relaxar e dormir. Desembarquei na Rodoviária do Tietê. Comprei passagem para Artur Nogueira. O itinerário durava cerca de duas horas. No percurso a riqueza do Estado de São Paulo representado naquela região por Paulínia entre outras cidades. Artur Nogueira era um local de refúgio, digamos assim, onde moram pastores jubilados e outros aposentados. É um verdadeiro oásis de tranqüilidade. Plácida. Limpa e linda. Sua rodoviária, que mais parecia uma casa grande avarandada, ficava de fronte para uma praça florida. Cada botão, cada broto me lembravam uma vida. Meu sobrinho era o segundo rebento tanto da família Rodrigues da Silva quanto da família de Jesus. Tudo me lembrava a criança. O renovo.

Tomei um táxi para. O motorista era um bom sujeito. Honesto e prestativo. Falei com ele para onde desejava ir. Ele conhecia o trajeto muito bem e não me enganou. Fez exatamente o caminho mais curto. Chegando ao centro universitário, pedi que me deixasse no Residencial dos Ipês, onde moravam os estudantes casados. Passava-se das nove horas. Meu cunhado não poderia estar em casa mesmo. O motorista me levou direto para a igreja da Universidade, que era enorme, mas denominada capela. Você pode não acreditar, mas encontrei meu cunhado assim que desci do carro e entrei na igreja. Assistimos ao culto com Escola Sabatina e depois fui almoçar na casa de um casal recém casado que não conhecia e nunca mais vi em toda a minha vida. Coisas do meu cunhado e de quem vive em meio universitário confessional longe de casa. Agradeci, constrangido, a hospitalidade e rumei com meu cunhado de carona para o hospital a fim de conhecer o garoto.

Um outro teologando nos levou até Limeira. Já era por volta das quinze horas, ou seja, o Nicolas tinha mais ou menos um dia de vida. Passei pela roleta da portaria rapidamente. Não esperei o elevador. Subi correndo pelas escadas. Entrei no quarto e fui logo procurando pelo moleque. Foi amor à primeira vista. O menino era pequeno. Cabia num só dos meus braços. Minha irmã estava com aparência boa. Ficamos sem nos falar muito porque não é bom num pós-operatório. Mas nos olhamos bastante e conversamos com os olhos voltados para aquela criança recém nascida. Despedi-me do anjinho e da minha irmã. Voltei e jantei não me lembro em casa de quem. No dia seguinte pela manhã acordei cedo. Fiz compras num mercadinho próximo. Só depois me dei conta de procurar saber se minha irmã poderia comer o comprado. Fui perguntando as vizinhas dela se a comida preparada fazia mal a mulher recém saída de uma cesariana. Elas foram muito solidárias e me orientaram quanto aos alimentos. Infelizmente já havia preparado alguns pratos não muito indicados. Não lembro exatamente o cardápio. Só lembro da sobremesa. Era musse de damasco. Meu cunhado fez a faxina da casa e eu arrumei a sala. Saímos à tarde de carona novamente com um casal em idade relativamente avançada, portanto muito experiente. Chegamos ao hospital em companhia muito agradável. Eles pareciam nossos pais. A senhora apanhou meu sobrinho no colo como a um neto e seu esposo o olhou também como um doce avô. Pareciam, a bem da verdade, avós de todos nós ali presentes. Sabiam de tudo. Pareciam meio pais da humanidade inteira. Porém eram humildes e falavam com tranquilidade.

Minha irmã recebeu a visita do médico e obteve alta juntamente com o bebê. Pensávamos que estávamos indo embora. Nada disso! Tivemos de assistir a uma palestra sobre cuidados com recém nascidos. Todos nós. Inclusive o casal de idosos teve de ouvir as palavras duma médica e duma enfermeira. Elas eram incrivelmente agradáveis, atenciosas e conhecedoras do assunto. Aprendemos muito com elas. Minha irmã aproveitou para entregar-lhes publicações denominacionais de presente. Despedimo-nos e voltamos noite caída para casa numa estrada chuvosa. A cidade de Limeira, muito bem cuidada ficava para trás.

Voltamos para o residencial. As vizinhas já haviam invadido a casa e dado o toque feminino necessário ao ambiente arrumado pelos dois marmanjos. Puseram a mesa da qual não tive tempo de provar. Tinha de voltar para casa. Apanhei carona com um professor do Inácio até Artur Nogueira. Apanhei o ônibus e fui para São Paulo. Houve engarrafamento na cidade. Quase não consegui embarcar de volta. Iria diretamente para o trabalho com bastante folga. Precisava entregar os trabalhos aos meninos na escola. Fiz a correção durante a viagem. De manhã cedo ceguei a Niterói, mas um incidente aconteceu além do engarrafamento na estrada. Um homem vomitou em cima de mim. Felizmente havia um roupa limpa na bagagem. Tomei banho na rodoviária e fui para o trabalho um pouco atrasado. Minha coordenadora chamou-me a atenção pelo atraso. Expliquei o motivo, mas ela não se comoveu. Não precisava. A honra de receber o Nicolas era nossa. A emoção era nossa e o sabor de ver aquele menino recém chegado ao mundo foi um privilégio meu e não dela. Nascer numa cidade com nome de árvore também é outro privilégio. Esse só do Nicolas. Espero que ele seja próspero como próspero é seu torrão natal e que tenha caráter tão belo quanto a árvore da lima, a Limeira, com o frescor da infância, a força delicada da juventude e a resistência elegante da maturidade próspera

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 19/06/2010
Código do texto: T2329525
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