O poder que detestamos é o poder que a maioria de nós faríamos
 
     É engraçado como textos que escrevi há muito tempo, ainda parecem, dentro de certos limites, bastante atuais com o que eu penso, hoje.
 
     É procedente que eu mudei. Todos, de alguma forma mudamos. Estas mudanças podem não ser radicais, posto que somos limitados por uma bioquímica mental natural. A verdade é que mudamos, pois somos, e muito, afetados pelo que vivemos, pelo que queremos e também pelo como o mundo nos afeta. Mudamos, principalmente em nossas características adquiridas pela cultura, pelo conhecimento, e indelevelmente sem que percebamos, também pelo dia a dia que vivemos.
 
     Sim, somos um complexo de formação genética, e plástica neuronal adquirida, desde nossa formação uterina até os dias de hoje.
 
     Posto desta forma, eu hoje, apesar de ter ainda uma consistência natural com a qual nasci, meu cérebro com certeza, graças a sua plasticidade maravilhosa, permite que eu tenha uma formação mental ligeiramente diferente daquela, o suficiente para eu hoje poder ser diferente, ser um novo, a cada dia, ser humano.
 
     Melhor ou pior, não sei, mas com certeza diferente em algumas ou várias características. A nossa estrutura mental não é rígida, apesar de possuir uma base bem estruturada, e de difícil adaptação e reestruturação. Ela é plástica o suficiente para nos permitir desligar algumas conexões e refazermos outras.
 
     Isso é o que nos dá um brilho todo especial, e nos dá também a responsabilidade sobre o que desejamos ser. Caso contrário, bastaria culpar a natureza pelo que somos, e nos desculpar junto à justiça, uma vez que nossos atos não seriam livres o bastante, e sim direcionados por uma caixa fechada, que nos obriga a ser o que fomos constituídos. Isto é tão falacioso quanto afirmar o seu oposto, que temos o total controle sobre o que somos e o que seremos. Vivemos em uma corda bamba, entre estes dois extremos, o da determinação biológica total, e o da liberdade mental completa.
 
     A mente e o cérebro são fantásticos, e permitem que apoiados em uma formação neuronal estruturalmente formada, possamos ao longo do tempo ser responsáveis pelo que somos.
 
     Sim eu mudei em bastantes itens. O principal foi amadurecer meu lado consciente, minha ligação com o materialismo, com o humanismo secular, com alguns toques de ceticismo, cientificismo, fisicalismo, atomismo, relativismo, epicurismo e uma visão socializante do mundo.
 
     O pequeno texto abaixo, foi escrito em 06 de novembro de 1979, era o texto de número 65, como fazia parte de um livro que imaginava um dia produzir, cujo titulo seria SENTIMENTOS EM EVOLUÇÃO, que jamais tentei publicar.
 
     Era uma é poca em que romanticamente ainda acreditava no sobrenatural, mas que moldou minha visão ética e moral da vida.
 
     Sim, nunca escondi, fui cristão, e muito de minha forma de pensar a bondade, o AMOR caritativo e de construir minha realidade está apoiada em lições que aprendi naquele tempo.
 
     Se hoje não acredito em religião, não aceito o transcendente, se vejo em cristo apenas inúmeras ótimas lições de amor, se não creio em Deus, com certeza moldo minha vida na busca de uma ética humana, de uma sociedade justa e de um viver em dignidade que está com certeza “populado” com alguma ética cristã, que me foi passada e que aceitei.
 
     Sinto perigo em falar isto, pois com certeza não aceito nenhum dogma, mesmo naquele tempo sempre duvidei intimamente deles, não aceito um deus abraâmico, e não coleciono bônus para um futuro qualquer. Vivo sabendo que esta é minha única existência, finita, e que por isso me dá mais motivos para buscar fazer dela uma passagem rica em ética, em AMOR e em sabedoria.



     Vai lá o texto, se não vale pela beleza de sua criação, pela gramaticalidade, vale para mim pelo menos, por ser uma fase importante de minha formação humana, social e moral.



Querendo sentir
Querendo amar
Querendo existir
Querendo falar



Eu sigo
Nesta estrada turbulenta
Atrás do Amor
E da sobrevivência



Da “sobrevivência” pura 
Sem contradições
Da sobrevivência que cura
Essas minhas frustrações



Neste mundo atormentado
Pela busca do poder
Vivemos aterrorizados
Não sabemos nada fazer



Esquecemos o AMOR
Esquecemos o SABER
Só queremos sobrepor
Só queremos o poder



O poder todos queremos
Contra o poder todos lutamos
Mas o poder que nós faremos
É o poder que detestamos



Mesmo assim o pobre homem
O pobre homem que nós somos
Logo, logo esqueceremos
Do pobre homem que nós fomos



Escrito em 06/11/1979 como texto de número 65

   
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 19/06/2010
Código do texto: T2329117
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.