Réquiem
Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.
Oswaldo Montenegro
Percorremos uma longa distância entre nascer e morrer.
A soma do que somos no final da estrada é tudo que juntamos em todos os dias que vivemos.
Parte são coisas. Estas deixaremos, cada qual a seu herdeiro, cada qual a seu dono.
Parte são amores e ódio. Estes levaremos, chegam ao fim com o fim de nossa caminhada.
Parte são sonhos e idéias. Estas não têm dono e nem prazo, poderão ir muito além do fim de nossas vidas.
Há pessoas que por toda a caminhada, freneticamente juntam coisas e para juntá-las e delas poderem dispor se importam pouco com as dores e mágoas que também acumulam.
Atropelam sonhos alheios, servem a si próprios um banquete de vida farto de mágoas e sangue; ignoram idéias e ideais; estão sempre propensos a servir a quem naquele momento tiver mais, porque desses, imaginam, é que podem obter mais e mais coisas.
Ajoelham-se, porque a força do medo de perder o que conseguiram os impede de ver o que anseiam e calam porque matam tudo o que acreditam a cada segundo da vida que escolheram viver.
Agigantam-se diante dos pequenos e escorados nos grandes tripudiam sobre os mais fracos; se vendem no balcão das oportunidades pelas mesmas toscas trinta moedas.
Quando partem os acompanha o silêncio constrangido de quem repartiu com eles a metade silêncio e taparam os ouvidos a tudo que acreditaram por força do medo ou também da vontade de juntar coisas.
Nós outros gritamos, Nós outros enxergamos e falamos.
Nós outros, acima das coisas, temos sonhos, idéias. Somos os loucos e herdaremos a vida para todo o sempre.
Manoel Leão
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.
E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também.
Oswaldo Montenegro