Um tolo diante da beleza
“Tá legal, eu aceito o argumento”: a grande indústria da música tenha talvez destruído o palco da musicalidade profunda, da letra poética, da verve lírica etc. O capitalismo (ou “ismo” que o valha) transformou tudo numa coisa plástica, serial, homogênea, sem-graça…
Mas, me digam o que pode um sujeito como eu, de olhos deslumbrados e pouca capacidade de discernimento, fazer diante de Beyoncé? Pode argumentar em prol de uma ideologia? Pode fazer com que linhas e mais linhas de crítica e análise lhe atravessem os olhos como uma cortina que encerrasse o espetáculo? Não pode! Tá na cara; não pode! Pode, se muito, calar, resignar-se.
Deva-se a isso chamar, talvez, traição, venalidade, mediocridade aberta; mas quem pôs meus olhos em minha cara não fui eu (argumento canalha, mas legítimo)… Admito (como se alguém se importasse), ora bolas, que fico totalmente abestalhado diante disso “pop” que me entra pelo coração imaturo como uma constelação de gestos (e pernas, pernas, pernas e mais pernas!), vozes, caras-e-bocas canoras que remetem ao raso abissal de minha contemplação: a mulher transmudada à dimensão do etéreo e carnal ballet-canção, da perfeição contida na apreciação – de um tolo, mas que pra ele vale tudo…
(Valei-me Deus, que a mim não me pertenço! E espero que haja quem comungue disso; prezo que assim seja; é tão difícil a rendição a sós!…)
Mas ah, São Jorge; esse dragão viva! Que voz, que movimentos (das pernas; sobretudo das pernas!); que mulher é essa de múltipla cadência!? Mulher em deslumbre que eu não quereria conhecer (pobre sonhador) porque se conhecesse ela não seria, decerto (ou: talvez?), tanto quanto o que é no céu digital de um DVD – afinal, custa-me crer que ela come; que envelhecerá…
Amigos, distintos amigos do meu coração, eis aqui a carta de confissão de um fodido, anti-rebelde, alienado: a beleza pode mais que eu. Não confiem em mim pra nada! Me deixem cá, quieto, siderado: Beyoncé. Beyoncé. Baste desse nome o que traz consigo pra esse peito brasileiro do baixo-clero dormir e acordar.
A indústria! Os dólares! A má-educação! As alucinações consumistas! E um escritor vil sem saber direito o que fazer…
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