A PIRIQUITA DA MINHA MÃE
O verdadeiro sexo daquele psitacídeo nunca soubemos ao certo, a minha mãe ganhou o bichinho de uma vizinha que estava de mudança. Era um exemplar já adulto de uma espécie conhecida aqui no sul do Brasil como tiriva, era verdinha com tons de azuis nas penas das asas e da cauda, tinha um porte médio. Um periquito quase comum vamos assim dizer. Ela era muito brava e ninguém se aproximava para fazer carinho ou brincar sem levar uma dolorida bicada, com raras exceções de bom humor ela deixava alguém da família tirá-la da gaiola para que pudesse fazer um passeio pelo chão, arbustos, ou alguns móveis da casa.
Suas penas das asas eram sempre aparadas para que não voasse muito longe e pudesse assim fugir. Devido à maioria do tempo em que permanecia sem poder voar, ela ficava estressada. Quando íamos pegar a danadinha na gaiola para exercitá-la, ela tinha muita raiva e no esforço de bicar e se esquivar, acabava por ter um chilique do tipo de um ataque epilético. Fechava as asinhas em concha se tremendo toda e voltava a cabeça pra trás piscando os olhinhos, isso logo passava e depois se acalmava, assim ficava mais vulnerável para ser capturada.
O único que podia pegá-la sem causar aquele ataque e ser atacado, fazer carinhos e dar uma voltinha com ela no ombro, era o meu irmão mais velho. Inclusive se davam tão bem que ele a beijava na cabeça, deixava-a inspecionar curiosamente os seus dentes quando este abria a boca para tratá-la com algum pedaço de comida. Na época esse meu irmão que é especial, andava com uns surtos, quase que diariamente tomava uma boa quantidade de vinho do garrafão e depois ia dormir. Certo dia, ele estando bem tonto do efeito do vinho, resolveu pegá-la para brincar, a retirou da gaiola e deu o copo de vinho para a periquita beber.
Não é que a danadinha gostou e tomou bastante! Ele falava palavras de agrado e carinho como sempre, mas agora com aquele bafo alcoólico bem próximo da cabeça da periquita, que enjoada e bem louca do vinho, deu-lhe uma violenta bicada que ficou por uns segundos agarrada em seu lábio. Aiiiaaiii!!!! Ele deu um grito de dor e tentou desgarrá-la da boca; depois que ela soltou-se deu pra ver o furinho com um pouco de sangue que saia do seu lábio. A cena foi de risos e de dar gargalhadas. Já dentro da gaiola a periquita visivelmente dopada misturava o seu ataque com o cambalear do porre que tinha tomado, descia e subia várias vezes os puleiros piscando e girando a cabeça em redemoinho.
Noutro dia o pobre bichinho estava cagando roxo e aguado, mas estava bem melhor da tontura. Nunca mais o meu irmão deu um porre nela ou aproximou muito ela da sua boca. Apesar deste incidente a gente tinha muito carinho pelo animalzinho. Não tínhamos o costume de ter pássaros, pois éramos contra a prisão deles, mas como foi um presente de mudança acabamos aceitando. O animal não tinha mais a capacidade total de vôo e poderia morrer. Depois de muitos anos de vida bem cuidados em que ela estava na nossa família, aconteceu uma fatalidade.
Em visita a nossa casa, um outro irmão meu que morava noutra cidade e gostava de colocá-la nos galhos do nosso sombreiro para a avezinha galgar a árvore, retirou-a da gaiola e assim o fez, ela gritava de felicidade toda vez que acontecia isso, mas na hora de recolhê-la, a danadinha subiu lá no topo, fugindo. O meu irmão escalou o sombreiro para pegá-la, mas a piriquita voou para a rua bem no momento em que um carro estava passando, ela infelizmente morreu atropelada. A piriquita da minha mãe descansou, está no céu dos animais abençoada por São Francisco de Assis, espero que ela tenha nos desculpado pelo infeliz acidente.