Volto o rosto á direita e me deparo com um amontoado de fotos caprichosamente superpostas que me remontam ao original da fotografia:A feira de Campina Grande, já cantada em prosa e verso por muitos poetas. As fotos são negras como única saída para representar esse povo. Não pela tristeza, mas, pela profundidade. Feira onde todos os sábados eu ia vender o jornal Tribuna Operária. O orgulho me estufava o peito e me fazia esquecer o cansaço do itinerário. Iria juntar o útil ao agradável. Divulgar a esperança socialista e perambular pela feira.Comunhão perfeita.Ao final da manhã, nenhum jornal me restava, só a alegria do dever cumprido.
A minha paixão por feiras livres, principalmente as interioranas, vem de minha infância. Nas feiras se concentra o que temos de mais puro, mais genuino, local perfeito para chegar mais perto do povo. E, a de Campina Grande, como uma das maiores, atende prontamente ao título. Costumava vagar pela feira como se precisasse sorver tudo aquilo, beber cada instante...era uma viagem.
Logo na entrada, era saudada com a feira de flores. E, lá estava a mulher loura que me comprava religiosamente dois jornais, um para ela, outro para seu amor, que estava na feira dos gerimuns. As flores produzidas se misturavam a flores colhidas nos terreiros dos sítios, num colorido espantoso. Só lá se encontrava rosa mole, rosa amélia, rosa trepadeira, beneditas, girasóis e cravos de defunto. Um aspirar mais forte como para apreender em mim o perfume, mais um olhar demorado para guardar o colorido, e, lá seguia eu em direção a feira do barro onde outros fregueses me esperavam. Era outra festa. Potes enormes se amontoavam a quartinhas, panelas mil, de mil formas, cuscuzeiras, fogareiros, e o que dizer das bonecas de barro? Nada a dizer, só a olhar, se apaixonar e levar alguma nessa minha peregrinação.Seguíamos, agora eu estava acompanhada daquela mulher de olhos esbugalhados, roupa de chitão, peitos pontudos e á mostra uma bunda redonda e arrebitada. Certamente iríamos nos dar muito bem. Agora lá vem a feira de cestos. São cestas, balaios, todos belos em sua rusticidade, cumpriam a missão de transportar frutas, verduras e carnes, tudo agasalhado, numa mistura de cores e sabores. Lá, outros jornais seguiriam seus destinos,,,chegar ás maõs desses leitores tão carentes de letras...e, que letras.
Duas feiras dividiam a mesma rua pacificamente. A rua onde outrora reinou soberano o cabaré El Dourado, reduto das mais belas prostitutas da região. Hoje assiste impassível, á seus pés o comércio de galinhas, perús, porcos e bodes. É uma festa para os ouvidos a mistura de sons. Cacarejados, fungados, aquele galo cantando alto, imponente, tudo se une num som indescritível.Som de vida. Mais abaixo estão os doutores populares com suas meizinhas milagrosas. São raizes, sementes, flores e folhas que resolvem qualquer problema, da dor lombar á falta de virilidade. Esses, comprados ás escondidas. Uma pausa para uma boa conversa e o garajáu é o escolhido para sentar e iniciar a conversa. Outros se achegam, Está iniciado o debate.
Á todo momento, figuras diferentes nos chamavam a atenção. Era o vendedor de pirulitos, quase sempre rouco apregoando seus doces espetados numa tábua. Era a mulher gorda que vendia lamparinas de lata, perfeitas. E, lá ia eu sonhando...um jantar á luz de lamparinas. Mais adiante a mulher das bonecas de pano, muito coloridas, em diversos tamanhos, mas uma coisa me intrigava, nunva a ví sorrir, nem ela nem suas bonecas, eram muito tristes. Vai ver que era o calor da feira ou daquela bacia de alumínio onde ficavam á espera dos raros fregueses. Comprar boneca?
E, aquele homem que vendia fumo de rôlo, enrolado no pescoço, lembrava uma cobra negra, só que o cheiro era insuportável. Por toda a feira, motivo para uma parada. Aquí um embolador de coco, alí um cantador desafiando o colega. Mais abaixo o vendedor de folhetos de cordel declamava pedaços de versos para atrair compradores. Seus folhetos estirados numa corda como se roupa fossem,pacientemente esperavam os apaixonados pelos causos contados pelos poetas populares. Um varal de poesia.
E, lá ia eu a vender meu jornal. O sol já estava alto, esquentando tudo e todos. Era chegada a hora de minha última parada. As feiras de doce e queijo. Uma festa á parte. Doces de bata-doce, jaca, amendoim,laranja, banana, goiabada cascão.Uma tentação.Lá eu parava. Era minha venda maior. Os douceiros se misturavam aos queijeiros. Precisa de mais alguma coisa? O queijo de coalho branco recebendo a talhada de doce de jaca por cima. Manjar dos deuses. E, entre comidas, pessoas e jornais, eu me perdia, me achava e saciava minha fome de poesia.