Sermão do Boêmio Moralista

Tenho observado, daqui, de minha mesa de canto, marginalizado por todos, esperando quiçá a chegada musical de uma Bossa Supernova (dada a escassez, talvez uma Bossa Semi-nova já servisse), que as pessoas têm se dedicado a três ocupações muito (ou mui) indignas: beber, namorar e ouvir música. E o digo de cátedra porque, não sendo eu nenhum arauto da boemia, também não sou nenhum iniciante: tive grandes mestres, que respeitei e cujos ensinamentos sigo até hoje, esforçando-me a goles medidos por alcançar (quem dera!) um pouco da sublimidade esquecida.

Mas, dizia eu, à moda Padre Vieira (só que não com o dedo, mas com o cigarro em riste), que as pessoas têm se ocupado de atividades indignas e, vou além, indecentes: beber, namorar e ouvir música. Antes das pedras virtuais contra mim e de pecha de hipócrita, alerto: tudo na vida pode ser profanado, se tudo (ou quase) pode ser sublimado. Por isso, cachaceiros de bom coração, repito, tão certo quanto o Sertão vai virar água-de-comer: indignos sãos os hoje que bebem, porque o fazem para rebaixar-se, ao invés de, à moda dos antigos (exceções à parte), fazerem-no para elevar o amor e a amizade; indignos são os que namoram, porque, mecanicamente, no jeito dos cavalos, fazem só do vaivém o namoro, sobem uns sobre os outros e deságuam sua miséria afetiva de um jeito patético, quase como o de quem senta ao vaso (e meu moralismo não é quanto à quantidade, mas à qualidade: haja mil pares para cada par, mas brilhem todos, feito uma constelação de carinho; sejam flores, não cactos); indignos, por fim, e filhos de uma puta, e cabras-safados, e retardados e retardadas, os que ouvem essa música, porque exorbitam a estupidez de seu mundo particular aos ouvidos de todos, repetindo umas canções que são como alguém lhes esfregando na cara, em ritmo de axé, aquele bordão de meio acorde: “idiota-babaca-jumento-vazio-e-zé-mané (olha o breque!)”

Portanto, daqui, de minha mesa de canto, tomando cuba-libre, ouvindo Chico Buarque no MP3 (o fone bem escondido) eu, que não tenho poder pra porra nenhuma, e cuja praga jamais pegará em vivente que seja, proclamo (com cuidado, pra não apanhar), sem qualquer autoridade, o seguinte burburinho: …!

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