Crônica do Cana 01

Depois de tanta luta, companheiro, depois de tanto trabalho, sentemos sobre o amanhecer…

Toda essa excitação da morte, todo esse sangue…

Tudo é tão… tão reticente… A reticência é a crônica policial em forma de comprimido. Porque tudo é uma ponte para a incerteza: Quem morrerá? Quem morreu? Quem matou? Quem matará? Por quê? (esse porquê, buscamo-lo sempre, embora nada o explique justificadamente) Quando? Onde? Como? E…?

Sentamos sobre a ponte, no pé de amanhecer, olhamos para o destino e tudo é uma neblina de ruas cheias de corpos e criminosos e objetos entre os quais caminharemos, catando-os aqui, vendo-os acolá, desenterrando-os à direita, despercebendo-os à esquerda…

Depois (digo depois sem segurança; o cana, historiador do efêmero, sente o tempo só em norte de depois), olhamos para nós mesmos, e o que somos? Uma camisa cansada, uma gravata aberta, uma arma dura e dentro de tudo um peito de homem que deseja mais que tudo findar a luta e poder abrir os olhos para o sonho, o sonho de paz, o sonho que, supostamente, vai bem adiante, na neblina além…

Não sei, cara; já não sei… As manifestações dessa metrópole me confundem… O cansaço cinzento da manhã é grande… A insônia não é só o não haver dormido: é o não haver sonhado… É hora. A vertigem vem. Fechemos a camisa. Retesemos os olhos. Sintamos o metal contra a carne. Café. Fumaça. Carne. Carne. Fumaça. Café. O pneu do destino volta a girar…

(Assim falou o poeta*, cujas palavras desejo ver, no fim dessa crônica, como uma legenda que subisse às costas do cana que caminha rumo ao incerto: “Por isso que chorei tantas lágrimas: para que ninguém mais precisasse chorar…”)

*Fragmento do poema Pedro, meu filho, de Vinícius de Moraes.

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