Cacos de sorrisos.
Olhar para trás não é uma tarefa fácil.
Não. Ver a si mesmo sem máscaras, sem medos,
sem maquiagem e fantasias, destruir os tapumes da
lembrança e do orgulho próprio é de fato, um ato
muito complicado.
Buscar em um final de tarde o acalanto de uma
doce ( e quem dera assim fosse) recordação, é como
beber leite quente com canela para induzir ao sono(ainda
que o sonho não venha).
Lembrar o que não dá para ser esquecido.
Chorar a dor disfarçada em milhões de cacos
de sorrisos...
... conter a lágrima antes mesmo que ela se forme/
transforme e crie força de cascata na face, já gasta
pelo tempo, não é algo tão natural.
Resgatar cada fragmento de si mesmo, que tal qual
poeira cósmica se vai/ esvai pelo universo.
Gritar no mais absoluto silêncio.
Calar aos berros a dor distorcida/disforme.Infame.
Nascer novamente á cada dia e ir paradoxalmente
morrendo á cada noite.
Misturar angústia, saudade e solidão no tabuleiro
da alma e esperar crescer o bolo amargo da desilusão.
Olhar a chuva miúda que teima em cair, molhando
impiedosa a vidraça já turva de embaçada dor.
Esgarçar nas veias e artérias, células e músculos
o sofrer de quem muito amou e sofreu em demasia .
Mas todo amor é assim!
Todo amor é assim?
Amar é se despedaçar/desesperar/desnudar e se
lambuzar de prazer/ de gozo e de alegria inocente.
Amar é crescer á cada dia.
É um verdadeiro faz/ desfaz de conta...
...um conto de fadas ao avesso.
É isso, amar é sentir o avesso do mundo.
É ser intenso/intruso/efêmero/doce/amargo,
é vencer-se a si mesmo/perdendo-se a todo momento no outro.
Amar é crer em Deus e indagar Deus no sofrimento do
coração que se esfarela/esmigalha nos confins do ser
mais íntimo.
Ser não ser refletido no outro lado do espelho,
no vidro sem aço/embaçado/enlaçado/encarcerado e
sem brilho.
Amar é viver morrendo á cada dia.
Mesmo que só restem cacos de sorrisos.
Márcia Barcelos.