DIPLOMA PARA LULA

Estamos conversando ao telefone quando ela pergunta:

- Eu li o que você escreveu. Ainda está do lado daquele lá?

Pensei: “de volta à velha luta de classes. Lá vem a contra-ofensiva da zona sul”. Nem tento argumentar. Apenas faço uma declaração de princípios.

- Obviamente, sou fã do Lula, você sabe. Primeiro presidente com a cara do povo...

Ela não hesita em usar o velho argumento de que relevaria tudo, o mensalão, o apoio dele ao Irã e ao presidente deposto de Honduras e blábláblá, mas não perdoaria uma coisa.

- porque ele não freqüentou uma faculdade e tirou um diploma de sei-lá-o-quê, de filosofia, por exemplo.

- mas, amor, pra que o Lula iria perder tempo fazendo um curso superior? ele estava muito mais ocupado fazendo a história do Brasil. Curso superior é pra desocupado como eu e você.

Ela nem houve meus argumentos. Continua falando. Quer porque quer que o Lula conheça as diversas correntes do pensamento pra poder entender melhor a realidade. Até parece.

Lembro-me dos debates chatíssimos acontecidos no meu tempo de estudante na universidade. Aquela escolástica toda, em que de um lado estavam os padres e do outro os marxistas. Ninguém arredando pé de suas posições. Graças a Deus Lula preferiu participar das lutas sindicais no ABC e fundar o PT. Se tivesse ingressado em uma carreira acadêmica talvez hoje fosse um professor de meia-tigela. E não o presidente que tem o apoio de oitenta por cento da população brasileira.

Mas a minha querida interlocutora não consegue deixar de mostrar aquela velha mentalidade da classe média brasileira, estagiária da oligarquia. A de que há uma diferença ontológica entre ela e resto do povão, apenas porque freqüentou universidade, viajou pra Europa, e por aí vai. Sente-se, tal como Moisés, um ser iluminado que conheceu a verdade lá fora.

Esta sempre foi a característica de nossa elite intelectual. Viajavam para o exterior e se encantavam com o iluminismo. Então costumavam vir com idéias mirabolantes para implantar as idéias de Rousseau e Montesquieu em terras tupiniquins. Porém, não se sabe se devido ao calor dos trópicos ou à sua situação de privilegiado na sociedade, acabavam por reafirmar a velha mentalidade política e mantinham sua prática.

Isto continua até hoje. Existem várias exceções, é claro. Mas o pior é que a coisa soa de maneira tão natural entre os que compõem esta parcela menos inteligente da inteligentsia brasileira, que eles não hesitam em botar pra fora seus preconceitos. Vejam o que disse um deste cujo nome já fulgura nos compêndios de literatura:

- O Lula é um farsante no qual não podemos confiar.

Qual é a do Ferreira Gullar? Está insinuando que a política deve ser um lugar de respeito e santidade? Me parece que ele passou a odiar a política por algum motivo que poucos de nós conhece. Mas pelo que tenho lido dele, esta foi apenas mais uma manifestação mal-humorada de alguém que virou uma caricatura de si mesmo.

De qualquer modo, a gente sabe que poetas falam pela bunda - lembrem-se do Ezra Pound, que passou pro lado do fascismo - e nem os melhores merecem muita credibilidade. A gente pode apreciar e se emocionar com suas belas construções, mas opiniões que emitem são tão profundas, ou menos, do que a da dona Maria dos croquetes, que pelo menos se deixa dominar apenas pelo bom senso..

É preciso que a pessoa faça um exercício crítico do qual muitos não são capazes. Em primeiro lugar, porque estão cercados e comprometidos com muitas pessoas que simplesmente odeiam saber que nosso governante se parece com o marido da empregada. E em segundo lugar, porque este mesmo marido da empregada tem a petulância de desprezar toda a opinião emitida pelos jornais. Em terceiro, suprema ousadia: ele também não se curva perante as potencias mundiais, para horror dos que acham que devemos nos alinhar automaticamente com as aves de rapina do globo terrestre.

Por isso mudo de assunto com a alienada musa dos poemas meus. Melhor falarmos de filmes. Está passando “O que Resta do Tempo” e “O segredo dos seus olhos” no cine Jardins, e no Metrópolis podemos cometer um “Pecado da Carne” comendo pipocas.

- Só não quero ver aquelas bobagens hollywoodianas!

Mas ela prefere “Alice”.